Devir é um conceito da Filosofia e denomina transformação intensa da vida, a partir dos encontros que construímos. Inspirados por este conceito, oferecemos nosso espaço e nosso trabalho para que possamos produzir transformações, as quais sejam por uma vida alegre, criativa e engajada social, política, ecológica e eticamente.

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Transmutar o amor: a revolução mais ousada

Há muito tempo, tenho pensado que, para além (ou aquém) das grandes revoluções políticas, há uma revolução muito mais ousada (e perigosa), que certamente traria tantas e tão extensas transformações, que até os mais aguerridos militantes estremeceriam de medo.

Aliás, é uma revolução que não deixa de ser política; porém, faria política de um modo radicalmente novo e distinto. Seria uma revolução, sim, absolutamente política, mas justamente no sentido de política enquanto problematização e produção de modos de relação e encontro, nos quais se module a potência dos corpos e o seu poder de agir em direção ao mais nobre, ao mais elevado, ao mais potente.

Essa revolução de que estou falando é a revolução em nossos modos de amar: certamente a mais grave das revoluções.  

pétalas amam outro vermelho e se engalfinham para mergulhar (fotos e montagem: coletivo dEVIR)

O fato é que, apesar de tantas revoluções tecnológicas, científicas, artísticas e políticas, ainda vivemos uma profunda miséria nos modos de amar. Ora, revolucionar os nossos modos de amar seria também uma revolução artística. Em muitas de minhas aulas, gosto de citar Foucault (no livro Ditos e Escritos vol.V), quando diz que os gregos antigos tinham produzido uma tal variedade de modos de relação de homens com homens, que é muito difícil conseguirmos compreendê-las a partir da restrição e pobreza de nossos modos de encontro: não se entende se dois homens eram amantes, ou amantes e mestre-discípulo, ou amigos...

Revolucionar o amor seria e é uma prática profundamente artística; é preciso ser infinitamente artista para fazer uma revolução em nossos modos de amar. E aí, também vem as perguntas: que ética e que força vital nasceria daí? Que nobrezas surgiriam daí? E vejam que falo de amor, não de bundalele, suruba, relação aberta, suingue, beijar várias pessoas numa micareta: tudo isso é de uma caretice nauseante e que dá uma preguiça... clichês!

Oh! Pós-modernos, descolados, libertários, seriam capazes disso??

Ainda não fizemos esta revolução e tantos tentaram e têm tentado. Muitas das religiões, especialmente o cristianismo, querem se fazer passar por agentes dessa revolução, quando só fazem o amor recair, de maneira muito subliminar e astuta, sobre formas de encontro cada vez mais caricatas, ossificadas e monstruosas.


Para corroborar comigo coloco aqui um trecho de entrevista com Deleuze, que acolheu muito isso de que falo, mas que já sentia e pensava muito antes de encontrar este texto:

"Em primeiro lugar, há relações de amizade ou de amor que não esperam a revolução, que não a prefiguram, embora sejam revolucionárias a seu modo: elas têm em si uma força de contestação que é própria da vida poética (...) Neste caso, há mais budismo zen do que marxismo, mas há muitas coisas eficazes e explosivas no zen." (DELEUZE, 2006: p.187 - livro A Ilha Deserta; texto chamado "Gilles Deleuze fala da Filosofia") 

Também indico o filme Os sonhadores, para quem tenha se sensibilizado com isso que digo.

E, para seguir provocando e incitando que ousemos em produzir novos modos de relação amorosa, deixo também um vídeo que fala disso e certamente vai arrepiar a muitos, seja com horror moral, seja com alegria poética. Creio que o vídeo dará continuidade a meus argumentos. Mas é claro que ele só mostra mais uma possibilidade, não se pode dizer, evidentemente, que se trata da grande solução; há muitas revoluções amorosas possíveis e outras ainda virtuais, insuspeitas.

O amor exige seus devires!

http://catracalivre.com.br/geral/cidadania/indicacao/documentario-mostra-dia-a-dia-de-adeptos-do-poliamor/






5 comentários:

Pedro H.L. Costa disse...

Muito poderoso o texto... acredito que é o ponto nevrálgico da revolução que se pretende de fato também poderosa. Ainda vivemos sob a sombra aterrorizante de formas totalitárias, fascistas e avarenta de nos encontrarmos com o outro.

Me fez lembrar do amor cortês do mil platôs, não se tem a ver: "Assim também, mas de uma outra maneira, seria um erro interpretar o amor cortês sob as espécies de uma lei da falta ou de um ideal de transcendência. " O amor cortês não ama o eu, da mesma forma que não ama o universo inteiro com um amor celeste ou religioso. Trata-se de criar um corpo sem órgãos ali onde as intensidades passem e façam com que não haja mais nem eu nem o outro, isto não em nome de uma generalidade mais alta, de uma maior extensão, mas em virtude de singularidades que não podem mais ser consideradas pessoais, intensidades que não se pode mais chamar de extensivas{...}O "joi", o unir-se no amor cortês, a troca dos corações, o "assay", o provar algo antes de oferecê-lo à pessoa amada: tudo é permitido desde que não seja exterior ao desejo nem transcendente a seu plano, mas que não seja também interior às pessoas."

Alexandre Missel disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Fernando Yonezawa disse...

Pedrão! Sempre bom demais ter sua parceria no pensamento, na ética vital! Cara, muito legal vc ter nos reconectado com este trecho do Mil Platôs. Me fez pensar que o amor pode ser tanto um corpo-sem-órgãos revolucionário e afirmador de fluxos de alegria, quanto um cancro purulento e tóxico. Ressoa muito comigo isto que vc diz de vivermos ainda formas muito avarentas de encontro. Sinto que o amor, para poder ser vivido com intensidade, com generosidade, precisa também, de algum modo, se aproximar de uma experiência de loucura, de vertigem. E como vc deixa claro com seu comentário, isso tudo não acontece sem arriscadas experimentações. Grande abraço!

Amanda disse...

Gostei da forma essencial que você consegue colocar as coisas. Eu também penso sobre isso. Se eu fosse fazer um movimento social, não seria por algo específico, mas exatamente procurando o que de mais essencial é possível se questionar sobre o próprio amor e sobre a própria vida. Gostaria de transformar isto em ato poético. Se quiser e puder, me escreva. amanda.om@gmail.com

Martina Lima disse...

Não entendi a implicância sobre o relacionamento aberto (ou a suruba, ou esses etc.)
Como se propor a revolucionar o conceito de amor, expandindo seus significados, e ao mesmo tempo reduzí-lo a forma x ou y de amor, excluindo outras formas completamente válidas, que são apenas diferentes das citadas por você como ideais?