Devir é um conceito da Filosofia e denomina transformação intensa da vida, a partir dos encontros que construímos. Inspirados por este conceito, oferecemos nosso espaço e nosso trabalho para que possamos produzir transformações, as quais sejam por uma vida alegre, criativa e engajada social, política, ecológica e eticamente.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Poesia de férias

Fazia muito tempo que não compartilhávamos uma poesia nossa. Mas gostaríamos de não deixar isso descuidado em nosso blog.
É impressionante como a disposição criativa fica esvaída quando temos que trabalhar muito.
Andava me sentindo completamente improdutivo e até um pouco boçal, por não estar criando quase nada de delicado, de intenso e artístico.


Evidentemente, não pretendo ser grande poeta. Mas sou amador, no sentido essencial da palavra.
Então vai aí uma poesia, concebida graças a um pouco de descanso e férias.
Oferecemos esta poesia a todos os que cultivam um pouco de frescor e arte na vida.




Complicado

Sou a carne folheada de minhas cores e pétalas
Tenho a face marcada de todas as histórias de final sem rumo
Durante um dia quente
Um dia destes cansados e salgados
Os poros de meu rosto suam lipídios animalescos
Que querem respiros viníferos e inventados,
Viní-feras
Meu suor é bicho que rosna por frescor
E cheiro de quitanda de maçã

 E quando olho este mim no espelho remexido da água
Vejo que só somos tanto quanto imagens
Tênues e finas, vaporosas
Da grande caricatura mascarada
De todas as máscaras insuspeitas
E também daquelas já dedilhadas

Noites com nuvens densas e luas estourando platina
Trazem um pouco de curvas para a o sono
Por isso o corpo não dorme
Enquanto cada linha obscura de cabelo
Não terminar seu jeito de tricotar lascívia

E quando olho este mim no vidro opaco da sala de visitas
Vejo que não somos por mais que vértices
De um polígono que tem tantos lados
Quanto mais redondo se faz
Quanto mais rola
como carroça com criança passeando

Esta é a confissão
De alguém que é todos mundo
Mundície
E tem quando em vez
Um bife de tempo
Para viver um sabor de cambalhota baquiana
E arterial artería

Vivo criações solavancadas,
Pulsadas como vaga-lume

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Por uma Clínica Poética


Por uma clínica poética. Uma clínica que ocorre no limbo, nas forças conectadas a partir dos encontros, encontros clínicos que visam produzir novas máquinas, novos acoplamentos, outros agenciamentos. O limbo, na botânica, designa o principal local da folha, sendo uma região achatada que recebe a maior quantidade de luz e de gás carbônico para realizar a produção de oxigênio. Limbo é lugar de acoplamentos e conexões, lugar mais permeável às forças afectivas do mundo, agenciador de conexões para alimentar usinas de produção.  Vivenciar o mundo a partir dos fluxos produzidos na junção que se coloca como clínica: uma máquina-órgão que se conecta a outra e transmuta-se em várias. A partir de um corte transversal, produz um fluxo que não para de buscar sua efetivação. Nesta perspectiva, há uma radicalidade na destituição de certo lugar de saber próprio da prática clínica convencional, vinculando-se a um processo de busca de criação de máquinas desejantes nos envolvidos.

Uma clínica que se pretende poética, rompe os campos que separam os corpos, materiais e imateriais, como entidades dissociadas, criando algumas misturas, uma transversal, que possibilite ao fluxo sua efetivação.

                        O poético articula-se a poiesis[1], termo grego que tem o sentido de criação, produção, articulando-se, portanto, as máquinas desejantes enquanto usinas de produção de desejos em conexões e articulações que constroem uma usina produtora de si e do mundo. O poético articula-se a clínica quando criam-se máquinas de efetivação de desejos. Esta criação só acontece nos encontros dos corpos, visíveis e invisíveis que atualizam uma clínica vinculada às linhas de fuga[2], linhas que visam explodir o que está estratificado no interior do próprio processo, fazer vazar o que está organizado, isolado e separado, passando a proceder por conexões.

            Nesse processamento, não há hierarquias entre humanos e inumanos, visível e invisível. O que há são agenciamentos, acoplamentos que se vinculam aos movimentos de proliferação da vida. Devires[3] agenciados por uma clínica que cultiva tais modos de encontros.

            A proposta de uma clínica poética se vincula a uma saúde que não se processa por adaptações, mas por alianças com o caos, com o inesperado e o inusitado da vida. A produção de uma saúde frágil, pois esta não busca unicamente estabilizações fixas, isto seria, nesta perspectiva clínica, o próprio adoece. Propõe a reconexão dos processos vitais à instabilidade e à imprevisibilidade que são próprios da vida, como presente no conceito de grande saúde criado por Nietzsche (1998).

Face ao adoecimento causado pelas estabilizações e mortificações presentes nas práticas de vidas atuais e cotidianas, a grande saúde vincula-se à potência dos encontros, e também a amplitude dos corpos na sua abertura às tensões diárias, para além das quietudes promovidas pelas identidades. Identidades como fixação daquilo que é comum ao coletivo, ao que apazigua as diferenciações que ocorrem constantemente.

Nessa perspectiva, uma clínica poética como uma grande saúde é inseparável de um aprendizado de si, dos modos de existência e dos escapes às políticas de controle, ao se desvincular da ideia de uma clínica para o sucesso e para o vencedor, de uma clínica solucionadora de problemas já prontos e já formulados, que produz como contrapartida um encadeamento de decepções, fracassos e adoecimentos diante da não efetivação das estabilidades prometidas.
Uma clínica poética está aberta a utilização de elementos estéticos para produzir afecções que gerem corpos de sensação. Sua atuação se dá nesses corpos de sensações criados por agenciamentos clínicos. Esta clínica poética articula-se a vontade de potencializar tais corpos, minimizando cada vez mais as mediações perceptivas e interpretativas, que estabilizam os signos e o mundo.


[1] Faz referencia ao termo autopoiesis cunhado por Francisco Varela e Humberto Maturana que designa os processos auto-criativos presentes na natureza e que Guattari (1992) utiliza para conceitualizar as “máquinas desejantes”.
[2] Termo de Gilles Deleuze e Félix Guattari (1995) citado em Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia – vol. I.
[3] Devir refere-se ao paralelismo, à mistura entre duas ou mais camadas, em que a organização sobre um deles transforma-se na organização sobre o outro, em uma captura mútua de códigos, aumento de valência, assegurando a desterritorialização de um dos termos e a reterritorialização do outro, os devires se encadeiam e se revezam de acordo com a circulação de intensidades que empurra essa mútua desterritorialização. (DELEUZE; GUATTARI, 1995).

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Ressonâncias da Imersão – Por uma clínica poética


Só o vivente performatiza...

Quantas doses de crueldade são necessárias para que um novo regime de relação possa desabrochar.

Quantas doses de delicadeza são necessárias

                                         para enterrar os esperneios do medo e da calculada fragilidade


Cruel delicadeza que lentamente distende, solapa e chacoalha o vivo

Um rasgo furioso e silencioso fez partir nosso cansaço, nos assumir em nossas feias cores, sem piedade. 

Fez a força de viver inventando exigir nossos corpos.

Uma porção de impossíveis desabou nosso teto e ruiu até nossa insana consciência.

Atravessamos as opacidades do conforto, do fácil, do consenso, do julgável.

Juntos fizemos um teco de tempo sem história

As palavras são tigelas pequenas, jarros estreitos...


E só se leva daí poesia, que é quando o verbo transborda, a letra fica em carne viva

E fizemos... morrer um tanto dessa nossa humanidade  arisca, diminuta e boa moça. Morte vivaz, insurgência do vigoroso

Aos que estiveram conosco nessa construção 
nosso cordial e afetuoso agradecimento!
nosso forte e frontal abraço!


                                                    fotos: Juliana Bom-Tempo
                               texto: Ângela Vieira e Fernando Yonezawa

domingo, 9 de dezembro de 2012

Programação da Imersão "Corpo e Afectos: por uma Clínica Poética"

Caros amigos e parceiros:

Estamos divulgando a programação de nossa imersão "Corpo e Afectos: por uma Clínica Poética".

Serão um dia e meio de trabalho intensivo envolvendo delicadeza, força, poesia e sensibilidade.
Preparamos este encontro com elementos cuidadosamente pensados para trabalhar uma política dos afectos e uma corporeidade intensiva. Como sempre, tudo feito com carinho e vontade.


Esperamos que esta programação remelexa um pouco mais o desejo de participar.

PROGRAMAÇÃO:

SÁBADO (15/12)
8:00 - 8:30 - Chegada
8:30 - 9:00 - Café de Recepção


1º BLOCO) 9:00 - 12:00 - CORPOS E AFECTOS
- Mapeando Afectos e Mapeando corpos / breve discussão teórica
- Prática: a experimentação como modo de criar outros regimes de relação e ampliar os afectos de que somos capazes
- Compartilhamento das experimentações e aprofundamento da discussão conceitual

13:00 - 15:00 - ALMOÇO.

2º BLOCO) 15:00 - 18:00
- Prática e Experimentação: Clínica Poética - Abrindo o Apetite da Vida
- Plano de Afectos
- Poiesis: Enfrentamentos
- Processo Criativo: Performances

18:30 - LANCHE
21:00 - JANTAR

DOMINGO (16/12)
8:00 - 9:00 - CAFÉ DA MANHÃ

9:00 - 12:00 - Avaliação Cinestésica
- Afectos experimentados, corporeidades produzidas, ferramentas apropriadas

12:30 - LANCHE DE FECHAMENTO.

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Fotos do Local da Imersão "Corpo e Afectos: Por uma Clínica Poética"

Caros amigos e parceiros:

Estamos divulgando esta semana o local em que se realizará o nosso workshop-imersão "Corpo e Afectos: Por uma Clínica Poética".

É um local muito bonito, com bastante natureza e todos os recursos necessários para acolher e trabalhar com os afectos, que está reservado só para nós todos.

Esperamos que as fotos ajudem a instigar um pouco mais.






terça-feira, 6 de novembro de 2012

Workshop/Imersão - Corpo e afectos: por uma Clínica Poética


Poesia, um corpo afectivo que nos atinge feito flecha e faz pulsar sentidos vivos. Fere com delicadeza e cuida, colocando um pouco de pétala na palavra sentir e uma porção de nuvem na solidão.



Uma Clínica Poética seria assim, uma Clínica que tem a capacidade de produzir solavancos nas formas pré-fabricadas de se relacionar com o mundo e acolher processos de diferenciação da vida transbordantes a qualquer classificação.

Queremos, neste Workshop, propor uma vivência que nos propicie entender afetivamente como funcionaria uma clínica poética, quais seus compromissos ético-políticos e de que modo a arte se insere num trabalho como esse, sem perder a força de nos arrancar de nosso lugares naturalizados. 

Para tanto, utilizaremos recursos plásticos, artísticos (advindos da dança e das artes marciais), que podem propiciar a abertura de outras zonas sensíveis para os corpos, assim como ampliação de seus modos de agir, pensar e sentir. 

Será uma imersão para que a vida possa poetizar em nossos corpos.

Vagas limitadas: 20 participantes

- Público-alvo: estudantes e profissionais que trabalham com alguma forma de cuidado terapêutico. 

Facilitadores: 
-Ângela Vieira - Psicoterapeuta, Aprimorada em Saúde Pública, Especialista       em Clínica de Grupos e Especializanda em Dança Oriental; 
-Juliana Bom-tempo - Psicoterapeuta, Mestre em Psicologia, Doutoranda em Educação pela Unicamp, Professora de Psicologia da FAJ e trabalha com Performance;     
-Fernando Yonezawa - Mestre em Educação, Doutorando em Psicologia e Professor do Curso de Psicologia da UFTM e Artista Marcial.

- Quando? dias 15 e 16 de dezembro (hospedagem e alimentação inclusos)

- Onde? Campinas - SP


- Inscrições antecipadas: até dia 08 de dezembro.

- Informações: Juliana Bom-Tempo - Fone: (19) 8226-0600 / ju_bomtempo@yahoo.com.br

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Sarau Vontades Pagãs

Convidamos a todos os amigos, parceiros, alunos, amigos-alunos, amigos-parceiros a virem participar do Sarau "Vontades Pagãs"!



Este evento está sendo organizado juntamente com as alunas da UFTM (Univ. Federal do Triângulo Mineiro) Luana Rodrigues, Ana Flávia Zago e Laura Moraes e foi uma ideia que tivemos conjuntamente para arrecadar verba para as duas excursões didáticas que temos planejado agora para o fim do ano.

São elas o "XVII Encontro Regional da ABRAPSO (Assoc. Nacional de Psicologia Social) Minas Gerais" em Juiz de Fora; e a visita à "XXX Bienal de Arte de São Paulo - A Iminência das Poéticas", em São Paulo, onde também visitaremos a exposição de Lygia Clark, reconhecida artista e terapeuta brasileira. 

Neste Sarau tematizaremos as culturas pagãs, já que outubro é o mês do Dias das Bruxas. Porém, não há restrições para as artes que se queira trazer e apresentar. 


Traga sua arte e sua poesia, seus amigos e sua alegria para celebrarmos as inventivas forças da Natureza!

- Ingresso: R$ 2,00 / ESTAREMOS VENDENDO BEBIDAS DURANTE O SARAU

- Quando? 25/10, quinta-feira

- Que horas? 21:30

- Onde? Espaço do Coletivo dEVIR - R. João Modesto dos Santos, 293 
             (travessa da Av. Odilon Fernandes, altura da pizzaria Fornace)

‎"Pensar é sempre seguir a linha de fuga do vôo da bruxa." 
                  G. Deleuze e F. Guattari no livro O que é a Filosofia?

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Danças do Oriente - Noites Mágicas e Surpreendentes

Esta semana gostaríamos de divulgar o evento "Danças do Oriente - Noites Mágicas e Surpreendentes" (edição de outubro), o qual contará com a presença de uma das integrantes do nosso coletivo, que fará um solo com uma música clássica árabe.

A construção desse trabalho (solo) contou com a orientação cuidadosa da Mestra Cristina Antoniadis e está há 4 meses sendo preparado.

O evento contará também com a participação de outras bailarinas amantes dessa arte e bailarinas que além de amantes, cultivam a dança oriental profissionalmente.

Esse projeto idealizado pela bailarina de danças gregas e orientais Cristina Antoniadis acontece há 3 anos e tem se proposto a divulgar as danças de raízes orientais, a cultura árabe, assim como, trabalhos de bailarinas  com esse foco.

Quem quiser conhecer um pouco mais sobre o trabalho desenvolvido por Cristina Antoniadis e sobre o evento, vale a pena visitar o site: http://dancasdooriente.blogspot.com.br Nele se pode ter acesso a vídeos de trabalhos artísticos das edições anteriores e também conhecer um pouco as demais bailarinas desta edição.

O local onde acontece esse evento é o Café Aman - Espaço Cultural que se localiza na Av. Miruna, 396 Moema/SP. 

Convidamos a todas(os) amigas(os) e parceiros a prestigiarem!

domingo, 7 de outubro de 2012

Workshop - A infinitude da pele: uma superfície poética, uma dermatologia das emoções

A renda deste trabalho será destinada a possibilitar a participação de alunos do curso de Psicologia da UFTM em eventos acadêmicos.

     A pele é o nosso órgão de mais extenso contato e talvez o que mais evitamos explorar. Ela ainda mantém sua privacidade quando comemos com os olhos e balbuciamos, constipados, os dissabores da vida. A pele que habitamos tem muitos interiores e por isso mesmo, pede por mais conexões despudoradas. Na pele aparece o cheiro de nossa idade, mas também é muito por ela que se faz força tenra de nossas alegrias.
    Queremos trabalhar nesta superfície primeira e única dos corpos, tomando-a como meio de engajamento, de sensibilidade e de posicionamento ético-político na produção de outros valores para o viver, sentir e pensar.


   A partir da experiência artística e do contato com outras peles artificiais e orgânicas queremos problematizar e criar condições para a invenção de valores nobres, valores estes em consonância com um tipo de vida que, ao invés de consumir, cria seus próprios valores, valores imanentes ao encontro, apropriados ao encontro.
     Será uma experiência de ativação da sensibilidade.

Vagas limitadas: 15 participantes 

Vestimenta imprescindível: shorts e top (no caso das mulheres)

Público alvo: estudantes e profissionais interessados em artes e recursos de cuidado 

Facilitadores: Ângela Vieira - psicoterapeuta, aprimorada em Saúde Pública, especialista em Clínica de Grupos e especializanda em Dança Oriental; Fernando Yonezawa - Mestre em Educação, doutorando em Psicologia e professor do curso de Psicologia da UFTM.


- Quando? 03/11 (sábado)
- Que horas? 9h às 17h (intervalo de almoço 12h às 14h)
- Onde? Espaço Coletivo dEVIR – R. João Modesto dos Santos, 293 (Travessa da Av. Odilon Fernandes, altura da Pizzaria Fornace) - Uberaba/MG.

- Valor: R$ 40,00 para estudantes de graduação
     R$ 90,00 para profissionais

- Inscrições antecipadas: enviar e-mail com nome completo, profissão, telefone de contato e comprovante de pagamento para angelitacaju@yahoo.com.br até dia 01/11 (5ª feira) Dados para pagamento: Bco do Brasil, ag. 0223-2 / c.c. 11.491-x / Ângela Vieira da Silva

- Maiores informações:  (34) 3321-7231 ou (34) 9232-2444



            

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Anular a cidadania de direito

                                                                            Por Pedro Costa e Fernando Yonezawa

Esta semana, gostaríamos de dar pitaco sobre as eleições, dada a sua proximidade. Existem alguns vídeos e textos avulsos por aí na internet, de varias pessoas falando sobre o voto, em especial o voto nulo.
Algumas defendendo esse tipo de voto e outras falando os motivos pelos quais não seria bom votar assim...
Esse texto é para expor motivos bem particulares e, até certo ponto apressados, para não votar.
Talvez, existam pessoas que possam se identificar com a ideia e outras que pelo menos vão pensar a questão por outra perspectiva... O mais importante é iniciar uma discussão, onde outros poderão expor seus motivos e criticar os nossos.



Na maioria dos vídeos, correntes, emails espalhados pela internet e em conversa que temos com as pessoas, aquelas que defendem o voto nulo, se baseiam naquela ideia, que já foi muito discutida, de que se a maioria dos votos fosse nula a eleição seria cancelada e os candidatos atuais não poderiam se reeleger e teriam que haver outros candidatos e blá blá blá. É esperado que saibam que essa ideia é falsa (ou não completamente correta). Não existe nenhuma lei que preveja isso, e na verdade essa concepção veio de uma interpretação errônea da legislação. Não cabe entrar em detalhes jurídicos aqui (deixemos isso para os juristas de plantão), quem ainda acredita nisso e tem dúvida, vá pesquisar. Aliás, além de ser uma utopia pensar na anulação de uma eleição inteira, seria bastante ingênuo acreditar que a simples troca de candidatos faria vislumbrar alguma solução. Se não houver de fato uma transformação política, ou melhor, uma transformação na relação política, não há o que se faça que possa introduzir diferenças reais aos seus problemas.

Logicamente, não se deve ter como base essa ideia falsa de que é possível anular uma eleição, para se votar nulo. Na verdade o voto nulo é justificado em questões mais profundas e estruturais (“juridicismos” não são profundos, sinto muito). Está mais ligado a uma descrença na política - ou pseudo-política, politicagem, politicalha - eleitoreira imposta pela lógica estatal que opera por meio de uma democracia representativa. Na verdade, quem vota nulo esperando alguma resposta estatal como o cancelamento das eleições ou sei lá, está cometendo o mesmo erro, pois está preso na mesma teia de mentiras. Mentiras que produzem um efeito real e uma realidade, inclusive uma realidade afetiva.

Eis 3 motivos fundamentais para votar nulo:

1º) Por não acreditar em democracia representativa, pois essa modalidade de governança vai contra a própria ideia de democracia em sua máxima amplitude. Porque se é o povo que governa, nenhum individuo que o compõe poderia outorgar, ou alienar a sua capacidade de governar a terceiros. Então se anula o voto por não acreditar que alguém tenha autoridade ética, política, intelectual ou existencial para representar o outro em qualquer dimensão da vida. Bem diz Deleuze logo no início de seu "Diferença e Repetição" que o pensamento da representação julga ser possível que os termos de uma relação sejam substituíveis, porque seriam equiparáveis. Quer dizer, todo o pensar da democracia representativa apresenta uma contradição à vida e ao exercício da cidadania na vida, pois parte do pré-suposto de que existe uma igualdade entre os sujeitos, mas que é uma igualdade abstrata, apenas igualdade de direito e que nos identifica a uma imagem jurídica de cidadania (não a uma potência cidadã ou a uma cidadania enquanto ação real sobre o espaço público). A igualdade é o primeiro erro da democracia representativa, mas há ainda outro erro. A representação só pode ser representação na medida em que instala uma generalidade sobre os assim chamados cidadãos: o senso comum e/ou o bom senso, enquanto sejam pré-concebidos como sensos que todos têm e que todos sabem (e podem) exercer. Mas, diz o mesmo Deleuze, que a generalização é um pensamento particular, isto é, dizer que todos são dotados de senso é já uma abstração, uma imagem representada daquilo que seja a potência de agir e de ser. Assim, só eu sou capaz de me colocar no palanque e a interposição de terceiros sempre passará por interesse de terceiros que naturalmente representam a si mesmos. Portanto, a rigor, não há erro em um político governar em nome de seus interesses. O erro está em se imaginar uma possível representatividade deste governante em relação a nós. Deve-se reforçar a crença em ação direta e em um debate no qual meus interesses e opiniões são decididas e expostas por mim mesmo. Nesse caso, votar nulo, ou não votar é um ato de cidadania, pois recupera para si a responsabilidade sobre sua vida e sobre o mundo, alterando a balança do exercício de poder. Anular o voto ou se anular? A escolha é sua. É uma decisão também existencial... 

2º) Eleição é um jogo da marionete da esquerda contra a marionete da direita. Isso quer dizer, na verdade, que tais candidatos cumprem uma agenda muito além do âmbito político-governamental. O aspecto – espectro - econômico conta muito. Em primeiro momento, muito obviamente, é o interesse econômico de seus patrocinadores de campanha. Eles vão sempre governar para os seus investidores ou seja eles se servem do capitalismo. Mas o que realmente importa aqui é o modo de produção no qual o Estado está inserido. Nesse momento, ele serve a esse modo de produção capitalista. Aquela velha (surrada e amarrotada) ideia marxista cabe bem aqui, pois o Estado serve para impedir a luta de classes, manter o proletariado, proletariado e a classe dominante dominando. Resumindo, quem "manda" ou "governa" o país são os grandes empresários multinacionais, os banqueiros e os latifundiários, isso em conluio com as mídias de massa e a industria cultural. No final das contas, votar na marionete não faz a mínima diferença, pois a coisa vai andar pro lado em que o dinheiro estiver. Se quer fazer algo pra mudar realmente, comece a repensar e atacar esses bancos, tentar escapar da lógica de consumo, tentar perceber que tipo de mensagem a mídia quer passar e que tipo de sociedade e pessoas ela quer construir. Votar nulo ou não votar é apenas o pequeno e importante primeiro passo. Não há economia que não seja baseada em um interesse, mas talvez seja possível interesses não baseados estritamente em economia, algo que complicaria bastante isso que se chama de política. Do mesmo modo, é impossível pensar em Estado sem governança, mas é possível pensar em governança sem Estado. Ora, o Estado não tem como ser Estado sem a ideia de centralidade, de homogeneidade e de verdade. Não há Estado sem que haja um correlativo povo, na forma de um agregado de pessoas generalizadas sob este signo de povo. Por outro lado, há a possibilidade de se conceber uma governança autônoma, em federações, fraternidades, cooperativas e agremiações que construam seus próprios modos de viver, de acordo com suas diferenças e não mais com a abstrata equiparação genérica. 

3º) motivo está muito ligado aos dois anteriores. O voto nulo enquanto ato político de negação. Se eu votar em alguém, aceitar nem que seja essa faceta eleitoreira do funcionamento estatal, estou dizendo sim para toda sua lógica, pois é também sobre essa parcela que se sustenta a sua estrutura. Estarei dizendo sim aos problemas sociais criados e perpetuados pelo Estado, dizendo sim a desigualdade social e ao privilégio da classe dominante que é legitimada ou legalizada por esse Estado. Estou dizendo sim a guerra e ao sangue que acompanha o Estado "democrático" ou não, desde sua fundação (quem duvida disso, consulte a História e olhe quem cometeu os maiores crimes contra a humanidade).
Eu voto nulo pois digo sim a liberdade e a responsabilidade de me auto-gerir. Acredito na capacidade humana de se reinventar e não nessas fábulas terríveis que alguns perversos contam sobre nós e sobre nossa "natureza exclusivamente assassina". 
Claro, não quer dizer que acreditamos que a máquina estatal vai emperrar porque votamos nulo. Assim como adianta muito pouco deixar de comer carne individualmente e não beber coca-cola (sem atacar coletivamente a produção industrial de matança animal e de refrigerante), pouco resolve votar nulo individualmente. Mas, a questão aqui é a de ter um mínimo de possibilidade de expressão de si, um mínimo de honestidade para consigo. O voto nulo não salva nada, mas minimamente me faz ser honesto com meus anseios e impasses.

Então surge a pergunta: Mas como você explica a Suécia e o seu bem sucedido (?) Welfare State??? Não se pode explicar realidades tão diferente usando o mesmo esquema, mas vale pesquisar mais. Veremos que não é o PRIMORDIALMENTE o Estado que faz as coisas "fluírem" lá, mas antes de tudo a mentalidade das pessoas e a educação de altíssimo nível. E o mais importante, Welfare State não é o paraíso. Produz outras formas de repressão muito mais sofisticadas.
No entanto, possivelmente eles sentiriam bem menos que qualquer outro país se o tal Estado sumisse de vez, se reorganizariam bem mais facilmente. Vale novamente recorrer a História e relembrar sobre a realidade das metrópoles européias, colônias de exploração e colônias de povoamento. O mundo é interligado: se o Estado ou proto-estados dos países ricos não fizeram mal pra eles próprios, podem ter certeza que fizeram para outros povos. 


Não estamos aqui protestando, lutando pelo voto facultativo ou candidatos bonzinhos nem nada disso, não esperamos nada do Estado a não ser a barbárie, o roubo e a violência policialesca. Não achamos que exista candidato bonzinho, pois quem candidata é naturalmente ou profundamente desinformado ou profundamente prepotente, egoísta e/ou perverso. Acima de tudo, quem se candidata é já corrupto, porque a corrupção primeira não é o desvio de dinheiro público, mas é o ato de se fazer representar (se deixar representar ou pretender representar o outro). Em termos nietzsheanos, a corrupção primeira é o prescindir do poder de agir que se tem, a separação da força daquilo que ela pode, a divisão entre força e realidade, entre potência e ato. Aí é que nos lascamos, porque, neste caso, os primeiros corruptos somos nós, quando abrimos mão de nossa força de agir. Não existe candidato menos pior. O menos pior é não votar. Não existe candidato inocente. Só nós podemos nos inocentar, caso exerçamos o caráter político de nossa existência. E, no contexto de um aparelho de Estado, exercitar o poder de agir politicamente implica em duas alternativas, pelo menos. Dentro do modo de produção de governança, não votar. E dentro do modo de produção de poder, lutar. Combater, agregar um (contra-)poder que seja potência de agir entre seres que compartilham a diferença, não a igualdade fictícia. 

Estaríamos sendo anarquistas? Em certo sentido, é claro que sim. Só que não nos definimos pela ausência de governo, mas pela liberdade de agir e lutar, pela potência de constituir uma governança que não seja extrínseca a nosso corpo, a nossas relações, a nossos grupelhos, a nossas singularidades.

A eleição não é certamente um momento político, mas é a tentativa despolitização compulsória em massa. Um ato político não se realiza na eleição.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Abaixo a privatização das idéias


Não privemos o mundo das idéias que brotam em nós
Elas são sementes a procura de terra fresca
As idéias podem ser más idéias, mas a força que as produzem é vontade de movimento.
Não julguemos nossas idéias.
Elas querem mundo, querem a terra fresca dos encontros, deixemos.
Cuidemos pra manter sua porosidade.
Que elas fisguem e sejam fisgadas por outras vontades.
Que elas sejam sempre um estalo, um beliscão, uma fagulha.
Fazer das idéias não a totalidade a ser alcançada, mas a fisgada para composição de uma nova espécie de sensação.
Das idéias jorram sonhos e a vida não aceita sonhos comportados
O sonho há que ser uma partilha, uma com-partilha.
Esse sonho é o que não se vende em nenhuma padaria.
Está sempre para ser feito, no desprendimento de cada um de ser um
Pra que possamos ser simplesmente passagem de devires.

Aos que estiveram no Sarau Pílula Dionisíaca
Demos carne e dança às nossas idéias
Só a estas a vida comporta
Ousamos fazer idéias serem mundo, de forma tão injustificada
quanto os ipês que florem efusivamente e nevam pétalas depois. 

Agradecemos pelas idéias desprivatizadoras, por um corpo viajante e viajado por sensações, emoções e pilulas ensandecidas. Obrigado pela ousadia de simplesmente deixarem fluir e viver o encontro, a força.


sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Sarau Pílula Dionisíaca

Ao desejo são e solitário
a pílula ensandecida dos encontros
Destilada na medida e ao gosto 
da força e da alegria
Deste lado
da arte e da loucura

Convidamos a todos os alunos-amigos e os parceiros-amigos a estarem presentes e participarem do Sarau "Pílula Dionisíaca". Será um momento para podermos compartilhar nossas artes, nos embebedar de poesia e nos deliciarmos com petiscos e um acalentador vinho.

Parceiros e amigos de vocês, alunos da Históra e da Letras também são bem vindos!

Traga sua bebida que cuidaremos das gostosuras.


- Quando? sábado, dia 29/09

- Onde? No espaço do Coletivo dEVIR
R. João Modesto dos Santos, 293
(travessa da Av. Odilon Fernandes, altura da pizzaria Fornace)

- Que horas? 20h30

- Entrada: sua pílula (uma arte de autoria própria) ou R$ 5,00



Vamos tecer juntos um tempo de bons encontros e de regalos estéticos!





quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Oficina de práticas corporais Esquizo na XI Semana de Psicologia da USP-RP

Na próxima semana, no dia 26/09, às 17h, por convite da comissão organizadora da XI Semana da Psicologia da USP-Ribeirão Preto, estaremos oferecendo uma oficina de práticas corporais baseadas nos conceitos da Micropolítica da Diferença de Guattari e Deleuze (Esquizoanálise)

O tema da semana é "Há tanta vida lá fora! Por uma Psicologia enraizada e comprometida com a realidade" e estará tratando do problema que a formação em Psicologia traz, de ser muitas vezes acrítica e desengajada, ou, ao contrário, de ser crítica a ponto de não apresentar saídas e propostas.




Diante disso, nossa sugestão, muito bem recebida pela comissão organizadora, é a de trabalharmos com o tema "Que desejo desejamos encorpar na Psicologia?"

Utilizando-nos de exercícios teatrais, música, dança e buscando dar vida a conceitos como corpo-sem-órgãos, desejo, força ativa, construiremos uma experimentação que deverá oferecer ao público inscrito de 100 pessoas um espaço de degustação das potências de seus próprios corpos. Trazendo o conceito de desejo de Guattari e Deleuze, entendido como multiplicidade e produção de diferença, buscaremos produzir campos de afetos e sensações que coloquem um questionamento, antes de tudo afetivo, acerca do tipo de desejo que sustentam em seu modo de sentir, em suas práticas, discursos e modos de olhar a realidade.



Esperamos que seja um momento de produção de alegria e também de aprendizado para os participantes e para nós do coletivo dEVIR, que iremos com Ângela Vieira, Juliana Bom-Tempo e eu, Fernando Yonezawa.

Muito cordialmente, agradecemos desde já à Stella Vilar, da comissão organizadora do evento, que nos convidou para este trabalho. Também desde já desejamos alegria e força para o evento!

Informações e inscrições com Stella Vilar: scvilar@gmail.com 

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Para que uma greve? parte 3) por uma greve dionisíaca

Para finalizar esta "trilogia" problematizadora da greve deixo ainda algumas considerações.

Em primeiro lugar, considero importante termos em conta que adotar um pensamento e posicionamento questionador em relação à greve não deve servir como anteparo ou pretexto para não lutar, para esquivar-se ao embate em espaço público, à luta e atuação política. 

Nada justifica despolitizar-se. O problema, contudo é: em muitos casos (e não é o caso de nossa greve), as ações políticas são muito pouco políticas porque não transformam a distribuição de poder, não ampliam a autonomia e tampouco produzem potencializações aos corpos e vidas. 

Por isso, uma greve deve ser capaz de ser mais do que a mobilização sindical e deve poder compreender mais práticas do que os protestos, as vigílias, as assembléias, plenárias etc. É muito necessário que lutar numa greve se difira de um posicionamento reativo, acusador do Estado. A luta será reativa se, mesmo tendo uma proposta concreta, mantiver a lógica dominante, sem deslocar os poderes e aumentar a nossa potência (entendendo que potência significa, com Deleuze e Spinoza, aumentar a quantidade de realidade de que se é capaz de se apropriar, aumentar a capacidade de agir e sentir). 


Quando falo de mais práticas e de ser mais do que sindicalismo falo da possibilidade de uma greve ser capaz de, enquanto CsO (corpo-sem-órgãos), mobilizar, organizar e compor fluxos de força desejosos por viver coisas que justamente só podem ser vividas num momento de parada abrupta, num enguiçamento. Esboçaram-se algumas intervenções artísticas e culturais, mas a cultura e modelo de luta sindical e partidária ainda prevaleceram. A lógica da reatividade prevaleceu nesta nossa greve. Vislumbrei que a greve poderia ter se constituído como espaço para se viver inúmeras coisas criativas, potentes, que saíssem do mero objetivo de protestar. Quantas oficinas artísticas e expressivas foi impossível fazer? Todas elas seriam formas de luta política, ainda que não estivessem diretamente falando de greve ou acusando o governo. Não poderíamos ter vivido, ainda que temporariamente, uma espécie de universidade popular aberta? Ao invés de ficarmos numa lógica dos pedidos, não poderíamos ter sido mais ágeis e mais multiplicitários em nossas intervenções? Por exemplo, pensei em fazer oficinas para produzir performances, máscaras e instalações. Mas o centralismo de alguns do comando de greve docente e o espírito pedinte, reclamão prevaleceram: os alunos se cansaram e esvaziaram o movimento. Essas coisas não seriam também políticas??!!

Enfim, o que critico ferozmente aqui é este ressentimento, este peso e, diria Nietzsche, incapacidade de dançar, que o movimento vai solidificando. Esta gravidade lenta e fedida de mofo, que sempre domina os movimentos políticos e só se legitimam sobre leis, iniciativas e entidades instituídas, contaminando e envenenando as coletivizações, as circulações de novos afetos, novos contatos, novas relações que aparecem quando de uma parada. Conheci tantos alunos, pude ter contato com tantos colegas professores, mas as relações novas não puderam ganhar consistência. Neste sentido é que também a greve será derrotada. Ela tem se mostrado incapaz de ser política nos seus termos mais amplos, restringindo-se a ser política em apenas enquanto confronto dialético entre poderosos e ausentados de poder, entre instâncias estatais dominantes e dominadas. Não houve potência, alegria. Não ouve arte! Venceu a amargura e desejo de controle dos que, mesmo sendo esquerda militante, ainda são demasiado conservadores. Sempre as mesmas estéticas, as mesmas idéias sem graça e sem força: um caixão com um funeral, um monte de nariz de palhaço, os mesmos  gritos de sempre, as mesmas faixas... 

Quero dizer é que é possível que a vitória não seja apenas sobre problemas administrativos e objetivos. Pode haver um ganho afetivo (NÃO falo de subjetivismo e sentimentalismo) muito mais complexo e amplo. É só permitir que a luta possa ter tantas forças e modos quanto as pessoas desejam. Pode-se inclusive dizer que isso tudo cheira a anarquismo. Não tem problema. Porque não sou anarquista; pelo menos, não nos termos de uma possível acusação. Não sou niilista a ponto de dizer que não vale a pena tudo o que está sendo feito pelos companheiros de trabalho do comando de greve. 

Deixo a certeza de que aprendi muito com esta greve, principalmente com os companheiros que, já experientes na militância, sabem bem os procedimentos a serem pensados e seguidos. É um aprendizado de como gira, na prática, a história. Uma aprendizado das forças de organização de um movimento sério. As plenárias com as pró-reitorias, com o reitor, as intervenções em Brasília, tudo realizado de maneira muito organizada e coletiva. Todos passos importantíssimos para a construção da UFTM  enquanto universidade pública e, como bem lembrou o professor Gustavo Alvarenga, trarão benefícios por muitas gerações. Como eu disse já, isto tudo que aponto aqui não exclui em nenhum momento as ações da greve atual. 

Mas precisamos mais do que nunca de um rompimento histórico,  uma intervenção intensiva. Da história contada estamos empanturrados. O que aponto aqui é que há um mal-estar, uma náusea de fundo, que mesmo tudo o que está sendo feito não é capaz de aliviar. Estamos cada dia mais encurralados por um poder sistemático e obsessivo, cuja força está em jogar com todas os passos já previstos. Precisamos de um transbordamento estético, ético e político, um passo que não esteja na ordem do dia...

Desejo uma greve intensiva, capaz de inventar vida e história. Está chato demais fazer greve com modelo pronto. É preciso um perfume novo, cheiro de mofo é para pão velho. É preciso um pouco de vinho!!

Que Dionísio faça sua greve!





terça-feira, 28 de agosto de 2012

Para que uma greve? Parte 2) sonhar com uma quebra

Bem, continuando a postagem da última semana, deixo aqui mais algumas tentativas de reflexão.
Semana passada terminei num impasse, num beco. Ao mesmo tempo que vejo a necessidade da greve, ela parece ser mais um signo da ausência de saída para o problema da exploração no trabalho, para o sucateamento progressivo da educação: como pode um instrumento de confronto ao Estado estar já instituído por ele mesmo?

É a partir de tomar a greve como este impasse absurdo é que gostaria de começar a pensar. Ora, como impasse, a greve é justamente algo em que se deve pensar. Uma coisa que Deleuze diz junto com Nietzsche é: certamente o homem é capaz de pensar, mas ele só o é diante daquilo que o força a pensar; o pensamento só advém de uma violência. Pois então, a greve, na medida que me parece um impasse, deve ser aquilo que nos força a pensar. Pensar em que? Em soluções? Em estratégias? Ou pensar a própria greve enquanto se tornou um princípio e não mais um meio?

Acredito que seja essa uma questão: na medida em que se esqueceu que a greve é um meio, se perdeu também a possibilidade de tomá-la como algo que nos obriga a elaborar outra coisa a partir dela. Não deveríamos pensar no que fazer na greve, mas o que fazer a partir da greve. Vou lançar mão de mais um conceito deleuzo-guattariano: corpo-sem-órgãos (CsO). No primeiro uso que estes autores fazem deste conceito, em O Anti-Édipo - Capitalismo e Esquizofrenia, o  CsO aparece como sendo um corte disjuntivo que acontece às organizações instituídas socialmente e ao conjunto de articulações de modos de vida, valores e políticas vigentes. Quer dizer, o CsO é justamente um corpo de desarticulação imediata dos organismos, corpos, conjunções institucionais que sustentam o modo de vida hegemônico. O CsO é feito de fluxos de desmonte, "sabotagem", interrupção e quebra de maneiras de funcionar, pensar, sentir e agir instituídas. Ele produz um impasse, uma violência às instituições. Neste sentido, se tomarmos a greve como um grande impasse, também podemos tê-la como uma espécie de CsO que se instala numa determinada instituição.


Pareço me contradizer... mas não. É que estou partindo justamente de onde parei antes: a greve é um impasse terrível. Mas pensar a greve, diante dessa paralisia, não é mais pensar no que acontece dentro dela, mas pensar ela mesma, ou seja, pensar de que modo ela é um impasse que nos leva, não à solução dos problemas que vivemos educacionalmente, seja na universidade, seja na fábrica, no trabalho cotidiano. A greve, se tomada por CsO, por interrupção, deve servir para se pensar uma nova arma, ou ainda, outra realidade. Enquanto se acha que a greve é um princípio de luta, ainda se está nas questões previstas pelo Estado, ainda se está no campo dos direitos ordenada e comportadamente constituídos. Mas a violência do impasse nos coloca a pensar quando este CsO se torna capaz de secretar inesperadas e novas formas de relação e modos de vida. A greve deveria ser capaz de realmente enguiçar uma instituição, fazer intervir um CsO, um corpo coletivo de inéditas realidades institucionais. Com a greve, ao invés de pensarmos em formas já mais do que caducas de lutar, as quais só postergam a repetição dos mesmos problemas, poderíamos pensar em um novo modelo educacional, em um novo espaço de educação superior, pelo menos, para as ciências humanas. A greve é um instrumento para que? Resolver problemas atuais que voltarão a acontecer exatamente do mesmo jeito daqui a 4 ou 5 anos? Ou a greve serve para pararmos tudo por um momento, injetarmos uma quebra real na aparelhagem universitária , para pesquisarmos e criarmos outro modelo universitário? Se a tomamos como impasse, fazemos dela um CsO, um meio de abertura e passagem para ousadias insuspeitas. Em 100 dias é impossível que as elites pensantes que pretendemos ser os professores não encontrem uma saída muito mais inesperada e surpreendente. Tendo advogados, economistas, estudiosos de política certos, creio que facilmente elaboraríamos um modelo de gestão, financiamento e infra-estrutura completamente distinto.

Podem me dizer que é impossível, que é mais um sonho infantil. Mas, o que os fatos mostram é que este modelo atual é o impossível, que a greve é impossível, que a negociação é impossível e que infantis já estamos sendo, pagando mico na frente da população da cidade, da TV, achando que estamos incomodando em alguma coisa, quando ninguém está prestando atenção em nós. Estamos literalmente, sendo crianças pidonchas, choronas e fiasquentas, pedindo a papai Estado para nos olhar. Horrível ceninha edipiana que acontece em escala nacional.

Se pararmos para fazer uma retrospectiva reflexiva, veremos que tudo o que foi feito durante a greve - incluindo a própria instauração da greve - estava já atrasado, agindo reativamente. Era certo que o governo lançaria uma proposta cínica e ofensiva para dividir o movimento, mas esperamos acontecer para depois reagirmos. Antes ainda, com a expansão universitária, era também certo que enfrentaríamos os problemas que estamos vivendo, mas deixamos acumular por anos para então se fazer greve... era certo que a imprensa iria ignorar, mas só depois de vermos acontecer começamos a ir atrás de informar a população... tudo previsto, toda reação já tardia, reativa. A Psicologia, por exemplo, corre o risco de, mesmo com o fim da greve, parar logo no início do ano que vem, pois já não há muita condição de seguir com o curso. Os professores temporários - se é que isso não aconteceu só comigo - tiveram seu contrato renovado apenas até janeiro, mas não há nenhuma garantia de novos concursos e, mesmo que aconteçam, não serão efetivados até fevereiro, provavelmente. Tudo isso era previsível e só agora se coloca tudo em questão... Ora, a greve deveria ser, enquanto um CsO, um golpe de quebra na maquinaria universitária, ser capaz de antecipar-se, criar problemas novos, não de se restringir a correr atrás de danos acumulados.

Só quando uma greve for feita sem motivo atual algum, sem passividade alguma é que acredito que será de fato legítima. A greve deveria ser visionária, intempestiva, ser capaz de se antecipar e, principalmente de inventar realidades.

É por isso que falo em pensar na própria greve, em seus objetivos, em suas possibilidades, em seu lugar instrumental, sua temporalidade, não apenas enquanto aquilo que ela é, mas aquilo que ela pode se tornar, pode devir. A greve não tem obrigação alguma de ser aquilo que sempre veio sendo, de se prestar àquilo que sempre veio servindo. Se há um impasse, é preciso sair dele mudando as questões...


domingo, 19 de agosto de 2012

Para que uma greve? parte 1) Não creio em greve

Estamos passando por uma greve que deve estar perto de terminar em alguns dias. Não foi a greve mais longa que já houve, mas certamente uma das maiores: envolveu quase a totalidade das universidades federais do país.

Todos sabem que desde o início fui a favor da greve e de se lutar para conseguirmos melhorias. Contudo, tendo feito parte do comando de greve, tendo já participado de alguns movimentos políticos populares, como a luta estudantil quando era aluno de graduação e a luta pela "ressurreição" da cultura em Campinas, gostaria de compartilhar aqui algumas questões com que venho me debatendo há muitos anos. Como acho que vai ficar longo, vou postando semana a semana, em tópicos, as coisas que trago para compartilhar e discutir.

1) Não acredito em greve! Sou a favor de nossa greve na UFTM, mas não acredito nela. É como dizer que sei da força da natureza, mas não atribuo isso a Deus. Explico. Em primeiro lugar, a greve é um instrumento de luta, e não a luta ou o instrumento. Como instrumento a greve já é, atualmente, em tempos pós-modernos, o maior sintoma de esvaziamento do tecido político, enquanto o consideramos uma grande malha afetiva que atravessa os corpos e todo o campo social. A própria impotência em encontrarmos outro instrumento de luta coletiva atesta isso. Mas, acima de tudo, o que faz essa luta parecer risível para alguns ou até ser chamada de luta burguesa, talvez seja o fato de que a greve hoje é um direito. Atenção aos apressados homens brancos: não estou dizendo que não podemos fazer greve e não devamos lutar. Estou dizendo que fazer greve é algo que podemos enquanto instrumento e forma de luta. Só que isso que nossos corpos podem com força se transformou em algo que se nos concede, se nos permite: virou um direito, constituído desde o início da democratização do país, nos anos 80. Vejam que estupidez que só quando estamos muito convencidos de uma falácia é que acreditamos: o país se redemocratiza e ganha uma constituição que, tendo apenas uns 30 anos, já está velha. Achamos ainda que democracia é termos nosso poder de luta, nossa força de vida estabelecida em lei. Como se fosse a lei que nos desse essa potência, como se fosse da lei que nascesse a vida! Se houvesse uma democracia de fato, a greve não seria direito e, talvez, nem instrumento, mas uma verdadeira arma, uma garrafa incendiária. Todos sabem, não sou estruturalista, não sofro desse mal moderno velhaco. Mas, gosto quando os estruturalistas, mesmo não usando boas palavras (que ironia! justo eles que adoram a punheta linguística!), dizem que certas intervenções embora mudem certas relações sociais, não mudam as estruturas sociais. E a greve é algo desse tipo, um remédio para dor de cabeça, uma Novalgina, que não cura o tumor do tamanho de uma laranja que está no cérebro. Eu não queria ter direito à greve. Sinceramente, lutar para ganhar mais, para ter direito a aposentadoria decente, isso é muito pouco!! Nada disso garante que, por exemplo, eu não seja engolido pelo produtivismo acadêmico, no cotidiano, até que, depois de 30 anos (minha idade hoje) eu possa me aposentar sem saúde.
Fazer da greve um direito é algo extremamente anti-democrático, é  a prova de que nosso país nunca se redemocratizou. Além disso, pensando em termos éticos, considerando aspectos afetivos e entendendo que afetos são sempre constituídos social e coletivamente (não dentro de nossas cabeças individuais), vejo que fazer da greve um direito é ser piedoso com os medrosos, com os covardes conservadores e reativos. É para que os covardes não tenham medo de perder o emprego que a greve vira um direito. É para assegurar a presença desses covardes no movimento que o direito de parar se constitui. São esses que levam a vida como uma bola que rola ao sabor do morro que justificam o direito de greve. E vejam, estes são, no nosso caso, tanto os bundões e alienados que fogem da discussão política, quanto os homens de Estado. Esse é um dos motivos pelo qual não tenho como valor a luta de classes e nem em dialética. A escravidão está em todos os lados, sendo sustentada pelos escravos, estejam eles no poder, ou não. Nunca houve dois lados no mundo. Mais do que nunca o mundo tem cada vez mais vários lados funcionando em acordo unitário (exploratório, mesquinho, consumista...). Ora, eu também tenho um lado medroso, também gostaria de ter paz. Mas não é isso que garante a vida. Nietzsche deixa bem claro, assim como Marx. É a luta, o combate que faz a vida ser gestada, parida, inventada. Mas a greve não é a luta!
Outra prova encabulante da falência da greve desde seu início (neste ano e nos anos 80): a vergonha que senti quando fomos parar a rodovia com nossos cartazes e já estava tudo combinado com a polícia. Eu sentia o tempo todo que eu mesmo ria de mim! A greve é um instrumento mais do que reabsorvido! O mesmo digo das passeatas! As ruas de Paris têm passeatas quase que semanalmente e é um dos países mais direitosos e reacionários do mundo. (Todas as suas passeatas têm permissão da prefeitura.) Deleuze nos lembra que os movimentos de transformação não conseguem reais mudanças se não tiverem um mínimo capacidade de agressão às ordens e valores instituídos. As forças reativas nunca são sobrepujadas se não forem agredidas. Só uma vida muito escravizada tem medo ou pudor diante da fúria e da força agressão, quer dizer, é só do ponto de vista das ovelhas mansas, diz Nietzsche, que agredir se torna feio e maldoso. A greve como direito é um jeito bem assim, cínico e sórdido, de estancar a força agressiva de um movimento coletivo. Talvez um grande truque anti-democrático da redemocratização brasileira tenha sido este: nascer já instituindo a greve com valor de lei, ou seja, produz um efeito de verdade, mas não é a verdade do mundo vivido em si: faz nossa razão acreditar numa potência que nosso corpo, nosso afeto, não sentem de fato no cotidiano.
É claro, se é isso que temos para lutar, não vou trair ninguém. Meu sangue japonês não suporta a traição... Mas fico sentindo que já estamos nos traindo desde sempre. Feliz ou infelizmente, sou bem amarelo ainda, não sou tão pudico e branco a ponto de suportar a traição. Não aguento ser grevista, é um jeito baixo de nos trairmos a nós mesmos. Quando entrei para o comando de greve achei sinceramente que o movimento seria diferente, que havia juventude, força primaveril nessa luta. Mas justamente por fazer parte do comando, vi que estava bem enganado. Havia afetos jovens, sim, mas eles se dispersaram, foram dissolvidos entre os que, por já serem calejados pela vida partidária, aguentam o centralismo democrático (microfascista) dos senis sindicalistas e os que, como eu, desejam lutar, mas não dão conta da escravidão que existe dentro do próprio movimento de luta. É uma fraqueza? Pode ser... se ser forte é tolerar a escravidão... Não saio da greve para não trair os amigos da História, da Psico, os alunos, do Serviço Social etc. Mas não fico pagando mico frente a mim mesmo. Não quero ser motivo de piada para mim!
Tenho solução? Claro que não! Só porque questiono sou responsável por ter a solução sozinho? O questionamento é para todos nós.

sábado, 7 de julho de 2012

Ode a Vinhonísio!


Teo púrpura sangue
Dio de noite caleidoscópica
Dia de frutas dulces y folhas parreirosas
sobre cerca de madeira e perfume férreo da terra

Cintila cascas embebidas em sabor pluri-multi
e vem até nós, Dionísio,
alegrar, transbordar nosso corpo
liquidamente acariciar todo estroma y flor de piel

Dance nosso corpo
encarne nossa alegria
Libera-a como se fosse agressão
E deixa-nos assim,
deixando
indo

Não mais vontade de asas
mas das lufadas delas,
vindas do sul e do leste
Do obscuro e do african
do longe daqui de dentro
que desconhecemos e tão porém desejamos
Libertinando, como se fosse agressão

Dionísio líquido
cura nosso osso
com seu elixir vinhonisíaco

Crítica da razão Aristotélica,
por tomzénianismo consternado
Faz-se sutilmente quando bebemos deste elixir
Mas faz-se de dança e música

E com sua não-face de n-mil vinhetas
Ri conosco, menino Dionísio,
Faz de nossa vida
a arte de encontrar
a embriaguez trombar alegrias
alegropolíticas

Cada glóbulo de uva,
uma gota
um ovo seu
Cada cacho de uva e cabelo seu,
é como ova de peixe marinho
contendo a incontinente imoderação
dos amores e das corpulescências ondulantes

Corre em nosso corpo tua mensagem sem profecia
de que a última arte
só pode ser a arte em tudo mais


segunda-feira, 25 de junho de 2012

II Encontro Clínica da Diferença: Afectos, Agencimentos, Composições...

Estamos ajudando a divulgar o II evento Esquizo, organizado por nossa querida mestra Profa. Dra. Marília Muylaert e seus parceiros de trabalho.
Haverá muitas oficinas corporais, além das tradicionais mesas temáticas. Será um evento bastante enriquecedor para os que trabalham para produzir uma clínica engajada na produção de encontros alegres.

II Encontro Clínica da Diferença: Afectos, Agenciamentos e Composições
28 e 29 de Junho, na UNESP de Assis-SP

Informações e programação no blog: http://clinicadadiferenca.blogspot.com.br/2012/04/apresentacao.html

Também no Facebook: http://www.facebook.com/events/426716154010791/493773280638411/?notif_t=plan_mall_activity

Que seja um ótimo evento! Que muitas forças potentes sejam produzidas!



sábado, 9 de junho de 2012

Quem queremos a revolução

Pedimos desculpas pelas últimas semanas sem postagens... Mas nossa criatividade também não é feita para trabalhar a toque de caixa. Precisávamos de um breve descanso de algumas semanas para podermos seguir criando aqui. Bem, retomamos postando uma discussão sadia que tive com nosso querido Pedro Costa, quando do início da greve lá na UFTM, onde trabalho. Decidimos postar essa conversa porque acheamos interessante para discutirmos questões que passam nos meandros de uma greve e de uma luta engajada.


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    Fernando, como estão as coisas? Dei uma sumida, estava de férias do serviço... e ando meio pensativo... mais introspectivo... até mesmo individualista pensando no futuro. Futuro... bom o velho fantasma e mais poderoso que as assombrações do passado...






    Contudo, essas manifestações que tem ocorrido na UFTM me chamam a atenção. Fico feliz com isso, apesar de eu estar em uma posição absurdamente contemplativa, passiva e inerte frente a qualquer movimento de mudança (o que não deixa de ser uma posicionamento político, aprendendo e extrapolando a sua postagem no blog). Ao mesmo tempo, fico amedrontado e acuado. Não temeroso com a mão opressora de uma organização estatal que endurecerá em reprimenda e virá solapar qualquer possível mudança e blá blá blá. Sei que isso não acontecerá (felizes daqueles que viveram a época que isso acontecia, pois o inimigo era visível). A ditadura - pelo menos aquela assumida e explícita - acabou. Temo uma outra coisa! Temo a voz daqueles que gritam por revolução. Temo por aquilo que motiva esse grito. Não confio em minha geração, não acredito que suas causas são sinceras e nem acredito que eles sabem o que estão pedindo. Digo isso por fazer parte de tal geração. Sou nativo desse tempo, não conheci outro. Muitos de seus alunos na UFTM são mais velhos do que eu. Temo que a luta é uma luta contra a própria sombra, uma luta contra próprio reflexo e que no fim será obtido apenas estilhaços do espelho espalhado pelo chão.É válido lutar por uma Educação pública de qualidade. Mas, quem luta por essa educação são exatamente aqueles que já tiveram e já tem a melhor educação que o Brasil pode oferecer.Reconheço também que a luta é pela maior possibilidade de acesso e continuidade na faculdade por alunos de "baixa renda". Mas quem luta ali está no fim das contas lutando por suas próprias causas e se não está, o beneficiado será no fim das contas ele próprio, caso isso a mudança ocorra.










    Isso porque, na conjuntura e na origem do problema, tudo continuará do mesmo jeito. A luta passa a ser ideologizada.








    Você sabe que a questão de classes sociais é um ponto crucial pra mim e não sou nenhum marxista religioso e etc... Isso pesa ainda mais quando para ouvir, ouço, interrompo a escuta e vou olhar para quem está falando.








    Me lembro de Nietzsche do Zaratustra e o seu amor ao próximo. Tudo o que esses jovens pedem, na maioria deles, aparentemente é algo que remete ao amor ao distante (um ato genuíno e difícil de solidariedade). Mas qndo olhamos para as suas vidas, suas demandas e suas ações tenho a impressão que não se trata de um amor ao distante, nem amor ao próximo, mas sim um amor ao muito próximo e a sua vida burguesa. Pq os aparentemente próximos, separados por alguns bairros de distancia, aqueles alojados mais na beira, estão na verdade muito longe. Lendo seu post pensei. Pq não fomos então para a porta da expozebu, com cartazes e apitos, foices e coquetéis Molotov???? Gritamos revoltados pela desigualdade social, o império monopolista e Colocamos fogo nos estandes matamos o boi mais caro e seus donos pegamos alguns para fazer um grande churras lá dentro convidando tudo o que é de mais excluído para ceiar conosco???













    Tudo bem, exageros a parte. Talvez levar essa galera da UFTM pra gritar na expozebu, gritar no shopping, gritar em frente uma igreja. É um ato inócuo, não vai mudar nada eu sei, mas pelo menos eu sentiria que nos fundamentos algo foi de fato estremecido. Os alicerces da normatividade normalidade normofóbica seriam por alguns minutos abalados. Estaríamos de fato operando um movimento esquizo.












    A velha história da captura desses movimentos me perturbam... tenho sempre a impressão que essas manifestações são destacadas de um contexto social mais abrangentetenho a impressão q o ato dos professores é mais genuíno, até por ser uma questão trabalhista e a base do problema.Resumindo: estou desesperançoso, triste e com a potência do corpo exaurida. Estou com uma absoluta preguiça de me mover...tenho a impressão que esses jovens querem uma luta, um inimigo. E estão lutando contra um peão, enquanto o Rei ri deles, os filma e paga a conta...
















    Não retiro nem uma palavra do que disseste! Contudo, sua ou nossa geração é também uma que não suporta mais divisões classistas... digo, alguns pelo menos sentem, ainda que não muito conscientemente, o mal estar das grandes segmentaridades sociais. O ato dos estudantes, ao contrário do que o Jornal da Manhã noticiou, foi apenas em parte para nos pressionar a entrarmos em greve. Foi muito mais para nos prestar apoio e incluir seus itens de pauta. Vejo que, como todo movimento, em seu nascedouro já está cheio de erros. Porém, algo que gerações anteriores não vislumbraram a não ser em momentos muito fugazes (maio de 68 por exemplo) foi a compreensão de que os problemas vividos extrapolam as classes. Muitos estudantes que participaram do ato não são de classes médias tão abastadas quanto se imagina. Outros, como eu mesmo, estão num processo de rompimento com sua criação burguesa, seja ela ligada, ou não, à condição financeira (já que há muitos proletários com modulação desejante burguesíssima). Assim, um primeiro fator que me parece revolucionário neste movimento é que partiu dos estudantes e técnicos, muito mais do que dos professores, uma iniciativa de se transversalisar a luta, ignorando as divisões institucionais. Por exemplo, quando se movem para unirem-se e lutam para que na pauta da possível greve o hospital não seja privatizado, ou quando pedem 10% do PIB investido em Educação. Os itens de pauta dos estudantes são possíveis conquistas que trazem poucas vantagens diretas para a maioria dos atuais alunos da UFTM, pois, como vc acusa, estes já têm condições reais de driblar os baixos investimentos estatais em educação pública de qualidade. Por outro lado, as causas docentes não são questões centralmente trabalhistas - neste ponto discordo de vc -, são questões salariais e de carreira: e seria muito mais genuíno como luta trabalhista se, por exemplo, exigisse mudanças nos parâmetros de produtividade colocadas pelas agências de fomento (dando mais valor a projetos de extensão voltados para a comunidade, do que para publicação de artigos).






    Há ainda um outro ponto: Uberaba tem vivido histórica e culturalmente sobre um agenciamento desejante extremamente submisso, acovardado, que chega a achar feio ou digno de zombaria a expressão do sentimento de indignidade. Neste sentido, este movimento é um pequenino início de um rompimento com a cultura mais sedimentada da cidade, que vc deve sentir, como cidadão dela, mais do que eu; cultura essa que se expressa no cansaço e derrotismo que vc confessa passar pelo seu corpo (mas que não é seu necessariamente). A partir deste aspecto, vejo, finalmente a universidade pública fazendo seu papel educativo e contribuindo com a comunidade local: está justamente educando os modos afetivos da cidade, inclusive porque muitos dos alunos que participam deste movimento são uberabenses e talvez não tivessem condições de cursar uma universidade pública se não morassem na cidade em que estudam. Enfim, todo este movimento, ainda que timidamente revolucionário, tem sim seus pontos de ruptura e criação de um novo agenciamento subjetivo, político, epistemológico, relacional, cultural etc. Claro que ele apresenta grandes riscos de captura, que vc enumerou muito bem e com as quais concordo absolutamente. Aliás, como vc disse nas entrelinhas, vivemos na era em que a habilidade de captura por parte do aparelho de Estado-capital está cada vez mais refinada, porque, entre outros motivos, o Estado-capital se molecularizou, se transformou em parte de nosso afeto, de nosso modo desejante. Entretanto, é justamente por haver estes riscos que estes movimentos se chamam lutas. Lutas não só por direitos, mas por afetos genuínos, sinceros (como vc disse), por maneiras de sentir que ultrapassem as classes e os problemas e ganhos narcísicos. Alguns funcionários na UFTM começavam a adoecer, assim como muitos professores estão esgotados. Havia um profundo mal estar entre os alunos, que não se sabia dizer o que era, mas que inegavelmente tem um pouco a ver com o clima de submissão, com os desconfortos causados pelos problemas que as pautas desta luta denunciam. Suspeito que a cidade, inclusive a população mais pobre e relegada à ignorância e à cultura de massas pelos seus reis chifrudos, esteja ganhando com esse movimento, esteja tendo contato com um modo de sentir e agir no espaço público, que nunca ou há muito tempo não vivencia. São movimentos que, se vitoriosos, permitirão, sim, que a divisão econômica entre as classes - a qual, como vc destaca, recrudesce a divisão de acesso à educação superior pública - seja minimamente atenuada, ainda que não totalmente, ainda que a médio e longo prazo. Ora, é claro que, se houver bolsas, moradia e restaurante universitário - em nome dos quais os estudantes têm lutado- haverá a possibilidade de jovens de classes mais baixas usufruírem da UFTM. E devemos lembrar ainda que esta é apenas uma das ações necessárias. Se também os alunos e trabalhadores do ensino fundamental e médio não começarem a exigir mudanças radicais, estará operando muito pouco a luta no nível da educação superior. Concordo em derrubar a corcova dos zebuzeiros, mas dentro da UFTM estamos também na luta por derrubar o poder dos aventais brancos, que também são perigosíssimos para a construção de um pensamento transversalista, politica e socialmente engajado. A nossa associação de professore por exemplo, está ainda na mão de médicos, que mal podem ir a Brasília negociar com o governo, porque, além de professores, ganham como médicos do hospital e precisam fazer plantões. É uma associação que usava o dinheiro das contribuições apenas para ir tomar cerveja nos bares mais caros da cidade, sob o acordo de não falarem dos problemas de trabalho, como contou muito alienadamente, nossa colega professora da Psicologia, docente da Psico Comportamental. Embora uma coisa não exclua a outra, não podemos fazer tudo. Quando estiveres descansado e mais cheio de novo vigor para lutar, podemos elaborar juntos uma intervenção na exposição. Apenas é melhor, como estratégia, não matarmos o touro mais caro... há muita gente hoje que protestaria contra isso, já que o bicho não tem que pagar pelo seu dono. Talvez possamos apenas castrá-lo, pois o que mais vale nele é... a porra! Afinal, estamos na era da capitalização das molecularidade. Enfim, estamos apenas no começo de um movimento que precisa crescer e se nutrir não só na UFTM, mas na cidade. O alimento virá dos cidadãos da cidade que se contaminarem com os afetos nobres da luta. Grande abraço! Muito aprazido por esta discussão e pelo seu reaparecimento!









    Fernando, sempre bom falar com vc, expressar meu descontentamento e desconfiança, pois sei que sempre encontro promove-se acontecimentos... e para mim, foi gratificante...











    e devo concordar com vc... o ponto da superação classista é real e o desejo tem muito mais a ver com o modo com o que se deseja dos necessariamente com o que, que acaba sendo secundário e consequente à modulação desejante...








    mas, até que ponto eles estão de fato abrindo mão ou superando a modulação burguesa? Quando vc olha para os olhos deles, vc consegue perceber o quão dispostos eles estão a superar? Ou seria a revolução apenas mais um evento fashion , um produto de consumo e entretenimento, enquanto suas contas se mantem pagas em dia?
















    Pedrão, desculpe a imensa demora em responder... eu me envolvi com a greve e muitas viagens pelo caminho e não tive disposição física para parar e escrever-te... Bom, o que posso dizer é que vejo, sim, nos alunos um real desejo de transformação, de ver coisas acontecendo de um modo diferente e creio que, para enxergar isso, não podemos nos limitar a pensar em classes sociais. Reitero, a questão toda, para mim, está no agenciamento desejante (que não é só subjetivo, individual, interno ao sujeito). Vejo os alunos e alguns professore lutando para derrubar hierarquias improdutivas e adoecidas, vejo alunos intervindo de modo a disseminar a discussão da greve para futuros vestibulandos e cidadãos uberabenses, vejo-os promovendo eventos culturais para reunir pessoas, partilhar afetos, poesia, música. Isso tudo é revolucionário, porque, inclusive, a revolução é inseparável de um contexto dominante, que, no caso, é o de uma cidade cuja população está fadada à educação de má qualidade e à contaminação quase patológica pela cultura de massas. É revolucionário também porque a própria universidade sofre com esses males... e talvez seja justamente por estarem ocupando um espaço público que estão podendo questionar a realidade que vivem... talvez não se dessem conta dos problemas que se vive numa instituição estatal e nem estivessem podendo compreender o que é o espaço público. Mas isso tudo só não é revolução se tivermos uma concepção muito circundada de revolução, como sendo rompimento de uma classe. Há inúmeras desconstruções que vejo acontecer nos alunos, especialmente naqueles que, embora não muito endinheirados, viviam sob uma modulação de vida aburguesada, respaldada em valores como família, felicidade, disciplina etc. Então, acho sim que muitos estão dispostos a superar inúmeras institucionalizações valorativas, afetivas, existenciais, políticas, éticas, que transbordam em muito a questão de classes.








    Por outro lado, posso dizer, com certa tristeza e pessimismo que não vejo revolução em lugar algum... não quanto aos alunos especificamente, mas quanto à vida, ao mundo. Quero dizer é que deveríamos nos preocupar em sermos nós mesmos revolucionários em








    nosso cotidiano mais ordinário. A greve não tem quase nada de revolucionária, posto que já se tornou uma instituição, que inclusive é respaldada em lei. Quer dizer, se por acaso não há espírito revolucionário entre estes estudantes, é muito mais porque a própria greve é um instrumento reabsorvido pelo aparelho estatal e porque nós todos não soubemos construir nenhum outro modo de luta. Ora, vejamos, que estou falando que a greve é um instrumento, não o acontecimento de fato. O acontecimento revolucionário é sempre maior que o instrumento de que se utiliza. E vejo muita coisa sendo remexida com esta greve, especialmente em níveis moleculares, muitas vezes pouco perceptíveis quando olhamos pelos parâmetros costumeiros: vejo os professores conservadores se desesperarem em manter os modos de funcionamento enrijecidos, vejo os próprios grevistas adotarem posturas reacionárias e micro-tirânicas, vejo professores sendo desafiados a sustentarem sua palavra de que vão lutar junto dos alunos... inúmeras transformações importantes, que não constam nas pautas, mas são muito significativas para o cotidiano institucional e para as relações vitais.






    Mas, como eu dizia, não vejo tanta revolução quanto desejo. Deveríamos nos preocupar em fazer mais pequenas revoluções, não baseados na imagem de revolução, mas impulsionados pela força e potência de devir. Sinto que vivemos uma era de cansaço e letargia, como diria Nietzsche. É preciso aprender a ser revolucionário no mais ínfimo desejo, no cotidiano mais banal, não apenas num momento em que se espera a revolução, como a greve. Não vejo sentido em cobrarmos que estes estudantes sejam revolucionários mais do que nós próprios, todos juntos. Sabemos que, se eles tiveram alguma situação de classe privilegiada para serem capazes de acessar a universidade pública, isso não é fruto da vida deles, mas apenas repetição da velha história brasileira. E é essa história que precisa ser revolucionada, não os sujeitos construídos por ela. Não acho que eles precisam ser cobrados mais do que nós. Todos nós precisamos nos cobrar, porque todos nós inclui eles e nós também somos eles, somos todos nós. Enfim, desejo mais revolução, assim como você, mas desejo que todos revolucionemos...





    E deveríamos, sim, ter feito uma intervenção na Expo-Zebu, mas junto com gente da cidade, que também se responsabilizasse pela miséria política, cultural e educacional que vive. Essa não é só uma responsabilidade destes estudantes...









    Por Pedro Costa e Fernando Yonezawa