Devir é um conceito da Filosofia e denomina transformação intensa da vida, a partir dos encontros que construímos. Inspirados por este conceito, oferecemos nosso espaço e nosso trabalho para que possamos produzir transformações, as quais sejam por uma vida alegre, criativa e engajada social, política, ecológica e eticamente.

domingo, 11 de março de 2012

Pinheirinho acontece todos os dias



Esta é uma das declarações mais sinceras que já dei publicamente.

Sempre que ando na rua e vejo um policial sinto muito medo. Tenho muito mais medo de policiais do que de bandidos.
E, ao mesmo tempo, sinto um ódio profundo, me pergunto com um sentimento furioso no peito, se um deles teria coragem de, sozinho e desarmado, encarar alguém. Tenho um desejo muito grande de fazê-los sofrer, ajoelhar e sentir muita dor, deixá-los aleijados para o resto da vida. E vou dizer por que, em várias coisas que andei vendo ultimamente:

Semana passada estive na rua Algusta, próximo à avenida Paulista em São Paulo. Passava pela região do Espaço Unibanco de Cinema, onde há muitos vendedores informais de filmes e DVDs. Nesta região, há uma intensa atividade cultural: ótimos filmes do circuito não-holywoodiano, sebos de CDs de música, livrarias que vendem livros sérios (não este número preocupante de livros religiosos e de pseudo-psicologia que vemos na maioria das livrarias). Por isso, estes vendedores de filmes só têm ótimos filmes no seu catálogo. Claro, são todas cópias piratas, mas são apenas de filmes europeus, asiáticos, soviéticos, árabes.

De repente, vimos pessoas correndo e os comerciantes de filmes tentando empacotar seus produtos desesperadamente. Era a polícia chegando para apreender os filmes. Chegaram com violência, jogando todo o material dos vendedores no meio da rua, espalhando tudo, batendo e com a arma em mãos. Eram duas viaturas e uma perua, somando cerca de oito policiais. Para que eram necessários tantos carros para apreender filmes?? Para que sacar a arma?? Jogar tudo na rua, bater nos vendedores?? Afinal, para que apreender filmes??

Foi uma cena horrível, que nos fez sair muitíssimo doídos. Lembramos do ocorrido em Pinheirinho e pensamos o quanto deve ter sido muito pior e muito mais violento. Tentamos ajudar um dos vendedores a recolher seus filmes e por pouco não apanhamos de um policial. Outra coisa que me deixou furioso foi ver aquele monte de gente pretensiosa, gostando de parecer culta e informada, com seus oculinhos de acetato, sua carinha de fashion alternativa, ficar olhando e simplesmente não fazer nada nunca. Digo nunca porque já vi aquilo acontecer algumas vezes e em todas tentava ajudar algum dos vendedores. Por que ninguém faz um cordão de protesto para impedir os policiais de descerem a rua? Ou um abaixo assinado, uma faixa, uma passeata. As pessoas só estão ali para consumir cultura, alimentar seu pedantismo babaca e frívolo.

Por isso me vem a certeza de que não é a falta de informação que produz violência. É o medo, a derrota para o medo, a despolitização e a ausência da ação de resistência no espaço público que reproduzem a violência, esta que sempre é emitida primeiro e perversamente por um aparelho de Estado.Estas pessoas não são desinformadas, são é covardes! O medo e a passividade duplicam a violência.

Bom, este foi só um caso que justifica a minha primeira declaração desta postagem. Mas há mais.

Hoje, fiquei sabendo que o sobrinho de 19 anos de minha companheira apanhou durante duas horas de um grupo de policiais sem absolutamente razão alguma. Aliás a razão era o fato de ele ser moreno (nem negro é) e de, na ocasião, estar vindo de uma festa popular de carnaval, num ônibus com vários outros garotos como ele. O ônibus foi parado por oito viaturas, os meninos obrigados a descer e a apanhar durante todo este tempo. Havia também cachorros policiais ameaçando-os.
Muitos dos meninos caiam no chão e seguiam recebendo chutes no estômago. Ninguém pôde filmar e simplesmente tiveram que engolir esta violência a seco, pelo resto dos dias. Meu cunhado mal podia andar no dia seguinte.

Em Campinas, havia uma ação da prefeitura chamada Tolerância Zero, que, entre outras coisas, dizia pretender acabar com as cracolândias da cidade. Então, às 5h da manhã, vários meninos de rua eram acordados com cassetete pelos policiais, muitos moradores de rua tinham suas coisas roubadas - sim, roubadas - pelos policiais. Aliás, coisas que não passavam muitas vezes de uma garrafa plástica de pinga e uma sacola de supermercado com roupas velhas.

Aqui em Uberaba também já vi uma cena humilhante, em que seis policias cercavam um mendigo, que estava bêbado, para tirarem-no da calçada em que estava deitado. Seis policias??!! Para levantar um mendigo magro, fraco e bêbado??!! Era um teatrinho humilhante, tétrico, violento só pela cena que produzia em pleno centro da cidade, à luz do dia.

Por isso comecei dizendo que tenho pavor de policiais e os detesto. Algumas vezes, por ser motoqueiro, já fui parado por eles. Não fui agredido e nem tomei a famosa "geral". Mas sei que foi apenas porque sou descendente de japoneses e não negro com cara de classe média baixa.

E fico sentindo que violências como a de Pinheirinho ocorrem cotidianamente, em muitas cidades. E o que mais me dói é sentir tamanha impotência diante de tudo isso, saber que acionar a Justiça oficial não funciona e que nem mesmo dá para expressar fúria com esses ratos de farda, porque certamente apanharíamos até quase morrermos.

Odeio policiais e gostaria de vê-los todos sofrendo por toda a violência que já vi cometerem. Podem dizer que isso é ressentimento, que nada adianta. Não me importa. Se os que dizem que nada adianta tiverem pelo menos coragem de lutar contra esta lógica fascista e tirânica eu retiro o que estou dizendo. Estou sendo sincero apenas, falando de sentimentos simplesmente crus e que certamente muitos devem sentir, de maneira privada, dentro da segurança de seu coração fechado.

De todo modo, sei muito bem também que esta violência, essa tirania e fascismo só existem nos policiais porque muita gente da população civil sustenta essas ações, com seus preconceitos - muitas vezes contra gente da própria classe social -, com seu desejo de higienismo social,seu pequeno Estado tirânico incrustado no peito,seu social-democrata tucano dominando a alma, seu papai-rei autoritário bem pregado no coração, seu Roberto Justus executivo vencedor sendo modelo de vida. O fascismo de Estado é só um caso diante de todos os milhares de micro-fascismos cotidianos que se alimentam em todos nós. Repito, não é a desinformação que permite este tipo de coisa, é o medo, a despolitização e a nossa ausência do espaço público.

Estou eu sendo contraditório, denunciando o fascismo e ao mesmo tempo desejando bater num policial? Talvez... Os policiais também são pessoas? Talvez... Pois as pessoas são diferentes. Posso até estar me contradizendo, a partir de minha bruta sinceridade. Mas eu não sou uma pessoa como os policiais. É apenas a minha sinceridade que é bruta, não o meu trabalho e a "minha obrigação", como eles dizem. Num caso destes não me importa se eles têm outros lados, porque o único lado que aparece e age publicamente é esse.