Devir é um conceito da Filosofia e denomina transformação intensa da vida, a partir dos encontros que construímos. Inspirados por este conceito, oferecemos nosso espaço e nosso trabalho para que possamos produzir transformações, as quais sejam por uma vida alegre, criativa e engajada social, política, ecológica e eticamente.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Multiplicando os sentidos da delicadeza


Compartilho aqui um pouco do que venho pesquisando, enquanto cultivo e estudo, acerca da construção de um corpo artístico na dança do ventre. Segue um trechinho de um artigo, no frescor de sua concepção:

Cultiva-se na dança do ventre um tipo sensibilidade no corpo dançante, que o torna uma caixa de ressonância às flutuações de humor musical, pois a dança desenha todas as nuances dos instrumentos presentes na música. Essa capacidade do corpo dançante de fazer esta leitura afinada às nuances sonoras de cada instrumento com suas relações de velocidade e lentidão, requer de quem dança sensibilizar-se também às minúcias dos modos de expressão de seu próprio corpo, reinventando-os. É nesta reinvenção que a delicadeza se acopla à magia criando multiplicidade, ou seja, colocando para funcionar elementos antes distanciados e incombináveis. A magia, portanto, como atualização de devires, de forças reais; a magia como diversa do misticismo, o qual só pode existir por força de crença e retorno do mesmo.

Corrupção como Sintoma de Escravidão: alerta nietzscheano junto à marcha contra corrupção



Há dois dias, em várias capitais do país, houve milhares de pessoas marchando com vassouras nas mãos, pedindo limpeza no país. Sim, todos nós desejamos que a corrupção seja varrida do mundo político de nosso país.

Nós, aqui neste espaço, gostaríamos de, primeiro, deixar nosso apoio a este movimento. Já fizemos muitas marchas por aí eu especialmente fiquei muito feliz em ver nos jornais que havia milhares de pessoas nas passeatas, pois atualmente precisamos comemorar quando conseguimos unir um grupo de 100 pessoas.

E é este o ponto que eu gostaria de explorar aqui no blog. Além de publicizar nosso apoio a este movimento desejoso por uma higiene política, gostaríamos de contribuir, deixando um pouco do que andamos estudando sobre Nietzsche e a corrupção.

O filósofo bigodudo diz: corrupção é sintoma! (livro: Além do Bem e do Mal) Que quer dizer isso? Até onde vemos, quer dizer que não é causa de nada, mas apenas sintoma, isto é, conseqüência de um mal mais profundamente instalado. Nietzsche diz que a corrupção é sintoma de termos nos tornado animais ressentidos, seres dominados pelas forças reativas.

Então, expliquemos melhor. Forças reativas são aquelas forças de conservação da vida, são forças adaptativas. Pois bem, de início isso parece bom... mas estas forças só tem capacidade de atuar no sentido de manter a vida como está, ou seja, fortalecer um status quo, uma conjuntura ou composição de forças, seja ela qual for. Se quiséssemos usar uma palavra marxista, diríamos que são forças reacionárias, literalmente conservadoras. É que estas forças reativas são justamente as que se opõem as forças ativas, as quais são produtoras, inventoras, criadoras, doadoras de vida. Vejam, são as forças reativas que se opõem às ativas, pois as ativas não se opõem a nada, elas simplesmente criam, agem, começam. Nisso destaca Deleuze (livro: Nietzsche e a Filosofia), que as forças reativas são aquelas que só conseguem agir na medida em que limitem a potência das forças ativas. Além disso, as forças reativas são qualquer força que, tenham a força que tenham, estejam separadas daquilo que podem. Um zebuzero uberabense diria: “Ah! É o touro castrado!” Sim, as forças reativas são castradas, são separadas de sua potência. Mas isso, não por um processo edipiano de castração, que considera que só tem pé na realidade a força que aprendeu a conviver com a castração. Diferentemente, as forças reativas são castradas porque são tomadas de ressentimento, são tomadas pela impossibilidade de agir, de criar. Ainda que uma interdição viesse, um força ativa poderia seguir sendo ativa se fosse capaz de sustentar e criar um modo de fazer sua potência valer. As forças reativas, por outro lado, apenas aceitam o mundo como está, aceitam a lógica do possível e do impossível, contentam-se com este binarismo.

Em outras palavras, diríamos foucaultianamente, que as forças ativas são capazes de reisistir, de fazer resistência ao poder, em nome de sua potência de criar vida. Já as forças reativas apenas se contentam em conformar-se, resignar-se, aceitar o mundo limitado que chamam de realidade.

Mas bem, o que teria isso tudo a ver com a corrupção? É que a corrupção dentro dos grandes aparelhos de poder não passa de sintoma de uma corrupção muito mais sutil, mas também muito mais extensamente espalhada: a corrupção diária e cotidiana de nossas forças. Lutar pela ausência de corrupção pode ser pouco ainda! Ora, se a corrupção é sintoma, há algo mais profundo pelo qual devemos lutar. Algo que não consta na carta dos direitos humanos, mas é infinitamente digno de ser defendido. Trata-se de uma luta transversal, trans-disciplinar, mas também trans-classe trabalhadora. É preciso lutar para mantermos vivas nossas forças ativas! Diz Nietzsche, é preciso defender as forças ativas das reativas. Ora, o que isso quer dizer em termos práticos?

O que entendo é que devemos procurar compreender como, em cada gomo de nossa pele, em cada interstício de nossa vida, estamos diária e cotidianamente sendo corrompidos. Primeiramente pelo trabalho, com o qual só é possível ter uma relação ambígua, já sempre há mais-valia. Mas, mais profundamente, somos corrompidos em cada decisão que somos obrigados a tomar no sentido de aceitarmos a realidade como está, de sermos separados de tudo o que podemos, de tudo o que somos capazes de criar.

E acho que é com isso que sonham alguns revolucionários quando pedem greve geral. E é com isso que sonharam os movimentos de 68. Sonhavam, eu sonho, com uma compreensão de que somos todos corruptos, em algum nível, de que, trapaceando um sistema de circulação de verbas, ou não, somos corruptos. Não precisamos embolsar nenhum dinheiro ilicitamente para sermos políticos e corruptos. Todos já sustentamos uma política de vida, todos já temos nossas forças separadas daquilo que podem. Inclusive nós que marchamos em passeatas!

Por que digo isso? Porque, vejamos, quando há uma marcha transversal, que não se liga a uma categoria trabalhadora, ou a um problema especificado, pouca gente aparece. Por exemplo, se fizermos uma marcha pela cultura, ou pela transformação na educação, mal conseguimos juntar uma centena de pessoas, mesmo que todos saibamos que um dos lugares que mais separam nossa força daquilo que podemos é a escola, mesmo sabendo que é na escola que aprendemos a arte do ressentimento, da submissão e da resignação. Vejam, não estou retirando meu apoio à marcha da corrupção, deixado no início deste texto! Sigo apoiando e, se pudesse teria estado lá, como estive em várias!

A questão que coloco, aproveitando o ensejo é: o que fazemos de nossas forças ativas?? Estamos lutando por coibir sintomas apenas? Na minha opinião, sim. Lutamos demais por corrigir uma dor de cabeça com analgésico, em vez de compreendermos que nossa dor de cabeça tem a ver com a vida que somos coagidos a ter em nome da adaptação às instituições, em nome de manter contratos formais em detrimento dos encontros consistentes e afetivos.

Entre outras coisas, defendo que, se não transformarmos nossa educação, se não formos capazes de, ainda que localmente, transformarmos a educação num território em que aquilo que vence sejam as forças criativas, as forças ativas, enquanto não embarcarmos em lutas transversalisantes, em que se problematize mudanças nos menore valores de vida, ainda seguiremos sendo escravos, seguiremos corrompidos. São os valores que nos corrompem, somos corruptos por vivermos e sustentarmos e desejarmos certos valores. Um exemplo. O filme “Sempre ao seu lado”, conta uma história ocorrida no Japão, de um cão da raça Akita (lê-se ákita), que diariamente acompanhava seu dono até a estação de trem para ir trabalhar e, no fim da tarde, no horário exato do dono voltar, chegava na porta da estação para ir buscá-lo. Na versão americana deste filme, o dono é um professor universitário americano que cria este cão, da mesma raça, Akita. Em um momento, quando o cão é ainda filhote, o dono tenta brincar jogando uma bolinha para ele pegar, mas o cachorrinho não dá a mínima. O dono insiste várias vezes e muitos dias, mas nada... Daí ele vai conversar com um colega de trabalho japonês sobre isso. “Por que seu cão faria isso de buscar a bolinha?” responde este colega. “Ora, para ganhar um biscoito ou para ganhar um carinho, um elogio.” Diz o dono do cachorro. Ao que responde o colega japonês. “Meu amigo, esse cão é japonês, é incorruptível! Não vai se vender por um biscoito.” Bom, além do orgulho que tenho de que parte de mim é japonesa (e bastante japonesa!), acho que esse filme nos coloca uma coisa interessante. Enquanto ainda fazemos os movimentos e lutas com metas, pensando em objetivos a curto prazo, estamos ainda sendo corruptos, pois são objetivos que o poder tem como satisfazer. Se seguimos lutando por sintomas, não rompemos com o imediatismo que caracteriza nossa escravidão. Sim, o imediatismo é sintoma de povo escravo, de país colonizado pela exploração européia, porque só um escravo não tem futuro, só um escravo não pode sonhar com algo maior do que uma pequena liberdade imediata, com um fim de semana livre, com a cerveja no fim do dia, com um amor pela metade, com um salário 10% mais alto. Só quando já fomos dominados por forças reativas é que não somos capazes de construir um futuro, processualmente, e ficamos desesperados por soluções imediatas, apaziguamentos de sintomas.

Não estou falando de desabitarmos o presente, de não darmos lugar ao acaso, mas de aprendermos a fazer da vida um processo, uma construção. De vermos que certos problemas são transversais e requerem intervenções processuais em diversos setores simultaneamente, e soluções que sejam sustentadas por um período de tempo suficiente para que as forças ativas se revigorem e voltem a criar. E de lutarmos para que a corrupção não seja algo que acusamos nos poderes do outro que está lá no congresso nacional, na prefeitura, na associação de bairro. Também precisamos nos limpar de nossas forças reativas, de nossa corrupçãozinha mais cotidiana, mais embrenhadinha em valorzinhos mesquinhos que ainda sustentamos apenas para ganhar um biscoito.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Rio Grande


Mexe difícil tarde
onde aquele jeito feliz
mau guarda a graça da falha surpresa
Moça perto da enorme água