Devir é um conceito da Filosofia e denomina transformação intensa da vida, a partir dos encontros que construímos. Inspirados por este conceito, oferecemos nosso espaço e nosso trabalho para que possamos produzir transformações, as quais sejam por uma vida alegre, criativa e engajada social, política, ecológica e eticamente.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Vídeo palestra sobre corpo, intensidade e saúde

Aqui estamos postando o link de um vídeo de uma palestra de uma intelectual brasileira que traz importantes pensares acerca da maneira como se vive o corpo em nossa contemporaneidade. Postamos apenas o link porque não pudemos carregar o vídeo aqui.

É que, além de postagens de idéias, trabalhos, poesias e pensamentos nossos, queremos que este espaço também seja local de divulgação de conhecimento e de trabalhos de pessoas importantes em nossas vidas. Não conhecemos a Profª. Hélia Borges, mas seu trabalho parece ser importantíssimo para nós que mexemos com klínica a partir do corpo e das artes. Pegamos este vídeo do perfil do Facebook de uma querida amiga nossa, a Natália Esteves. Esperamos que usufruam das interessantíssimas e cuidadosas colocações de Hélia Borges.

Ainda precisamos, afinal, devir-corpo, devir-intensidade. O corpo orgânico, o corpo da forma e da saúde medicalizada não deve se confundir com uma saúde corporal nietzscheana, mais viva, mais intensa e profunda.

Universidade Pública??!! Manifestação dos alunos desautorizada

A Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), em que trabalho, embora seja nova (tem menos de cinco anos e não tem ainda nenhuma turma de Psicologia formada), já apresenta problemas sérios. Os professores estão sobrecarregados de aulas porque faltam professores efetivos (eu, por exemplo sou apenas temporário), não há assistência estudantil (restaurante universitário, moradia etc.), falta espaço físico para aulas e laboratórios.

Ante-ontem, dia 22/11 muitos alunos do curso de Psicologia haviam colado inúmeros cartazes de protesto, reivindicando a contratação de professores, criticando a ausência de R.U. etc. (a imagem acima foi feita por duas de minhas alunas e postada no Facebook)

A minha grande surpresa foi ver que já no dia seguinte, ontem, dia 23, os cartazes haviam sido retirados!

Fui me informar e soube que eles haviam sido retirados pela zeladoria do prédio porque precisavam de autorização para serem colados!

De início pensei que tivessem sido as faxineiras do prédio, que são terceirizadas. Uma delas, aliás, disse que achou ridículo os alunos fazerem aquilo. Perguntei por que. Ela disse que era besteira o que eles diziam. Bem, claro que não me calei e a informei de todos os problemas que havia e eram fatos. Ela se surpreendeu ao saber que o que os alunos exigiam era legítimo.

Pois bem, gostaria de deixar expressos meu apoio aos alunos e à sua manifestação.

Também, como professor e, acima de tudo, como educador desta universidade, gostaria de deixar uma palavra educativa, com o perdão da imodéstia que isso possa soar ter. Esta palavra vai especialmente para os gestores desta universidade e para os responsáveis pela "zeladoria" do prédio.

Saibam que esta é uma universidade pública, não uma instituição privada. Não é uma empresa. A manifestação e a expressão de qualquer dos grupos e indivíduos que dela usufruem deve ser livre! Estamos passando por problemas sérios! Neste sentido, o público a quem os serviços desta instituição se destinam deve ter toda a liberdade de expressar-se e manifestar-se. A mediação ou interferência de qualquer instância se configura como violação da possibilidade de exercício de cidadania e resistência. Sendo uma universidade pública, seu território pertence ao aparelho estatal, mas deve ser controlado prioritariamente pelos seus usuários. Exigir autorização para a manifestação de consciência da realidade que se vive é uma refinada e violadora maneira de burocratizar o espaço público e a intervenção ativa dos estudantes. Trata-se, por isso, de uma forma de privatização arbitrária daquilo que é de uso público. Além disso, trata-se de uma violação da democracia, a qual, só pode ser de fato democracia, quando é direta, não representativa e quando permite embate e conflito. Podemos dizer, ainda, que viola-se, com um ato aparentemente tão banal, aquilo que é parte essencial da formação destes estudantes e que justamente os diferenciaria de sujeitos constituídos numa instituição privada: a crítica à realidade, o exercício da cidadania, a apropriação ativa das questões e problemas vividos e, especialmente, a politização, se concebemos que a política seja o exercício de determinar e contra-determinar as diferenças de força e poder existentes na realidade.

Se quisermos ser legalistas, para que pareçam mais palatáveis estas minhas palavras (embora o legalismo irrestrito seja sintoma de grave e boçal servidão), podemos dizer que este tipo de burocratização fere direitos constituídos neste país.

Estes dias, depois de trocar algumas palavras com um de meus mais sensíveis mestres, o Prof. Dr. Gregório Baremblitt, pude ter clareza daquilo que antes se apresentava como um impasse, quando postei o tópico falando sobre a intervenção da polícia na USP. Naquele tópico eu dizia, quase que apenas intuitivamente: "prestemos atenção, o problema da segurança na USP é só um sintoma, não é a grande questão. Há algo mais, algo além." Porém, não sabia dizer bem o que era. O prof. Gregório comentou a postagem: "seria interessante se os alunos deviessem cidadãos e criassem uma comissão própria de segurança interna".

Pois bem, a questão mais além a que me referia era essa! Nas universidades públicas, os alunos precisam ainda devir-cidadãos, precisam pegar nas mãos o espaço público, tomá-lo dos aparelhos de vigilância e violação, contra-efetuar um poder que quer se adonar daquilo que é propriedade de todos e, neste sentido, privatizar subjetivamente. Os alunos não devem depender de estância estatal alguma para exercerem aquilo que Hannah Arendt chama de ação entre os homens, ou seja, exercitar a liberdade, a ação no espaço público.

Notemos bem, a liberdade é um exercício, uma prática feita privilegiadamente nos espaços públicos; ela não vem feita, ela não depende apenas de des-repressão, de indeterminação. Muito pelo contrário, a liberdade é o exercício ativo da determinação, uma determinação intrínseca aos grupos; uma determinação por parte dos grupos, das forças que os constituirão e nutrirão, das suas potências, das ações concretas. Na USP é isso que está em questão, para além do problema da segurança e da presença da polícia no campus. Na UFTM, é também isso que está em questão!

Essa é a problemática transversal que perpassa e alinhava o problema da polícia na USP e este acontecimento aparentemente mais brando e insignificante que houve na UFTM com alunos para quem dou aulas. Eu reitero: APARENTEMENTE mais brando! Porque, afinal, trata-se da violação mais cotidiana, da estupidez institucionalizada, da privatização e embotamento do espaço público, da corrupção dos corpos dos estudantes, naquilo que se refere às suas forças de ação, à sua educação.

Eu me pergunto, esta universidade é pública mesmo, ou é um shopping de conhecimento técnicista cujos donos são uma meia dúzia de coronéis de estetoscópio???!!!

O que vejo é que se precisa de autorização para ser politizado e exercitar a cidadania, mas não se precisa de autorização para privar os alunos de bons serviços públicos e de professores que possam se dedicar a oferecer, além de aulas técnicas, projetos de pesquisa, serviços de extensão à comunidade, formas de saber questionadores, engajados e comprometidos com os processos sociais.

Bem, espero sinceramente que os estudantes da UFTM não aceitem este tipo de violação refinada, mas concreta e produtora de adestramento. Eles sabem, têm meu apoio e minha ação concreta para lutar com isso.

Espero ainda mais ansiosamente que este tipo de prática não se repita por parte desta universidade, já que ela se pretende pública e capaz de oferecer uma formação integral e crítica aos alunos.

domingo, 20 de novembro de 2011

arte ou romantismo











Bem, desta vez gostaria de falar sobre algo que vem me incomodando bastante ultimamente: posicionamentos que se costuma ter sobre a arte.



- tratar a arte como entretenimento: prática midiática, televisiva, que produz filmes, peças de teatro, pintura, para distrair, divertir ou, o pior, engabelar, surrupiar a sensibilidade. Artes para preencher o fim de semana, para empobrecer culturalmente, para fechar a sensibilidade do público. Arte de massa.



- tratar a arte como terapia: prática psicologizante, medicalizante, que faz da arte algo que serve para sanar adoecimentos. Bem, aqui sei que estou sendo polêmico, já que uma das formas de cuidado mais produtoras de saúde no campo da saúde mental é o oferecimento de oficinas artísticas para os usuários. Mas, calma. Estou falando especificamente de duas formas de uso terapêutico da arte que considero problemáticas.
Em primeiro lugar, talvez uma forma muito capturada e mistificante de uso da arte seja a de oferecer a arte como recurso para usar uma interpretação psicológica da produção artísitica: dar sentidos interpretativos, baseados em significantes pré-fabricados por uma teoria da subjetividade ou, ainda pior, por um senso comum: "veja, o paciente encheu a tela vermelho, significa sangue, violência." / "olha o menino desenhou um super-homem, deve se sentir onipontente." São maneiras de ignorar os sentidos produzidos pelas pessoas na relação com suas produções, com as cores, com os pedaços de mundaneidade, com os afectos inumanos, com as emoções sutis. São formas de tapar as diferenças, colá-las sobre significados fáceis e confortáveis, todos vindos de fora e não da relação.
Além disso, quanto ao uso terapêutico da arte, também não acho produtivo quando se parte de um espontaneísmo. Dá-se tinta, barbante, argila e canetinha para os usuários e se deixa que fiquem mexendo nos materiais. Chama-se isso de experimentação livre, quando em muitos casos não passa de desrigor e desrepeito à força do usuário ou paciente do serviço terapêutico: desrigor porque essa prática deixa aparecer o despreparo dos terapeutas, que se propõem a oferecer uma oficina sem sequer aprenderem ou se desafiarem um pouco a lidar com a arte de maneira séria, buscando conhecimento, técnicas, modos de uso dos materiais, recursos, procurando aguçar a sensibilidade; desrespeito porque parte do princípio de que qualquer coisa que seja feita está boa, de que o usuário não é capaz de aprender, de incorporar recursos e técnicas que lhe possibilitarão, inclusive, expressar mais precisamente, mais delicadamente aquilo que deseja colocar na tela, na argila, no papel. Daí, fica-se oferecendo tinta seca, canetinha (que muitas vezes não funciona), folha sulfite e lápis de cor, quando haveria uma gama muito maior de materiais para serem explorados, serem conhecidos e experimentados, quando se poderia brigar por ter material de qualidade, que não se limitassem a níveis escolares. Não há nada de livre nisso, não há nada de experimental e muitos menos espontâneo, porque não se pode ser espontâneo quando se está limitado ao que se conhece, ou ao que nem se imagina que se possa conhecer; não se é livre quando se está determinado pela ausência de recursos, de conhecimento, de possibilidades de expressão; não é experimental, porque só se pode experimentar algo que traga para perto o desconhecido e, nesta situação, em muitos casos se está apenas em contato com o pouco que se conhece e se pode.



- tratar a arte como produção privilegiada de uma classe social, ou de uma cultura: concebe-se, a partir da exclusão e do preconceito, que a boa arte é a arte de galeria, a arte acadêmica, muitas vezes europeizada. MAS TAMBÉM, NÃO MENOS EMPOBRECEDOR é pensar que a boa arte seja apenas a arte popular, ou a arte nacional. Há péssimas e geniais artes sendo produzidas em divesos lugares do mundo e da sociedade, por diversas classes, por diversas pessoas.



- tratar a arte como hobby, para relaxar, para passar o tempo: é um modo muito próximo da arte midiática. Lembro de um documentário que assisti na TV Cultura que mostrava a arte de um rapaz que era carcereiro da polícia e que tinha um pequeno ateliê em casa e pintava as pessoas que conhecia, que estavam presas. Ele dizia: "Me irrita quando as pessoas dizem que pintar relaxa, que é bom porque relaxa! Para mim é o contrário! Eu fico estressado quando pinto, a arte me estressa!" Sim, só para os não artistas a arte tem objetivos tão pouco ousados! Como diz Nietzsche, é muito condenável tratar a arte como divertimento e chamar isso de cultura. Ora, dizem Guattari e Deleuze, o artista é um mostrador de afectos, é um emoldurador de uma porção do caos. Como alguém que toca, desenha, produz instalações, posso dizer: a arte não é arte sem tensão; dar passagem para um pedaço de caos, colocá-lo no papel ou numa sala não tem como ser tranquilo, a não ser que fiquemos pintando flores em panos de prato! A arte não serve a nada, mas ao trazer o caos, ela traz tensões, intensidades, vibrações fortes! Tocar um instrumento exige zelo, rigor, não é relaxante. Mesmo a arte experimental é criteriosa e rigorosa. Só os não artistas tratam a arte como espontaneísmo. Mesmo no quadro mais abstrato, o espontâneo é apenas superficial. A arte não é hobby, não é algo para se deixar fazer fora do trabalho, mas, acima de tudo, é algo em que se trabalha para fazer.



- tratar a arte como acesso ao místico ou ao mítico: aqui também muitas vezes se encaixam os modos de arte psicologizados. Restringe-se a arte a uma gama de temas e estéticas extremamente determinadas, embotadas. Não se pinta mais do que mandalas, símbolos religiosos, figuras lendárias. Pauperização estética e afectiva.



- arte e artesanato seriam a mesma coisa: não! arte e artesanato não se confundem(!!), mesmo que muitas vezes objetos de artesanato sejam mais artísticos do que muitos objetos de arte. Bem, o que estou chamando de artesanato é aquela atividade de passar o tempo, ou encontrar uma fonte de renda, a partir da simples operação de colagem e consumo de objetos semi-prontos encontrados em lojas do ramo. Posso parecer preconceituoso, mas o que quero dizer é que arte é processo, é fabricação processual de heterogeneidades. Cozinhar, por exemplo, é muitas vezes artístico, mas McDonald´s e restaurante de prato executivo não é arte, claro. Acontece que muitos artesanatos são arte, assim como muitos objetos de arte não passam de artesanato. Mas não pode ser arte algo que é produzido em escala industrial, ou que é produzido a partir de processos facilitados de montagem, para reduzir a tensão do processo de criação. Já imaginou se os grafiteiros resolvessem comprar os moldes de seus desenhos nas lojas para poder pintar os muros da cidade? Arte exige trabalho, processo, cuidado, tempo.



- por fim, colocar metas à arte: a arte pode não ser diretamente política, pode não falar diretamente de problemas sociais, pode não servir terapeuticamente, pode não servir para nada! Ainda assim ela estará fazendo política, estará produzindo cuidado, estará produzindo diferença no mundo. A arte faz política por consequencia, não por meta. Produz cuidado por consequencia. Objetivar a arte, ou seja, fixar-lhe um objetivo, é encurtá-la, limitá-la, inclusive no que tange a esta meta colocada!



Bom, sei que posso ter provocado e incomodado muita gente com este tópico. Mas espero que eu consiga ter me feito compreender na precisão daquilo que estou criticando. Não pretendo alimentar preconceitos. Justamente, pelo contrário, estou dizendo que há muitos conceitos de arte que não passam de preconceitos, ou de uma visão romântica da arte, uma visão investida de fetiche, que parte de um olhar não artístico da arte, de um ponto de vista exterior. Toda vez que se limita arte ou se a trata com descuido ela está perdendo força. Rigor não quer dizer academicismo ou determinismo, assim como liberdade não implica em falta de zelo com a arte. Gosto muito de uma noção de arte que aprendi com a Ângela, que aprendeu com um professor de teatro da Unicamp: arte é cultivo. A arte é uma forma de cultivar, como se cultiva uma planta, uma relação, um encontro. Não temos como definir duramente o que É arte, mas nem por isso arte é qualquer coisa. Dedicar-se com seriedade a uma arte não é criar uma relação rabugenta com a arte, nem tornar-se profissional, mas, antes de tudo, cuidar de nossas porções de caos, de intensidade, de nossa sensibilidade incomum, de nossa heterogeneidade. Cultivar uma arte é aprender também a alimentar-se das forças que se encontram imanentes a nós, ao alcance de nossa criatividade. Por isso sou muito a favor da arte amadora. A arte me parece uma grande forma de fortalecer-se, encontrar nossa potência: uma alternativa ética e política à opção que vejo ser muito comum atualmente, qual seja, a de suprir a desnutrição afetiva apenas consumindo, seja a produção alheia, seja, muito pior, indo ao shopping torrar dinheiro e encher a casa de quiquilharias.



Para encerrar, gostaria de deixar uma frase que me veio hoje, meio que como epifania: a arte torna o impossível realmente, ela torna o realmente impossível.




Faça-se a interpretação que a nobreza de cada um possibilitar.