Devir é um conceito da Filosofia e denomina transformação intensa da vida, a partir dos encontros que construímos. Inspirados por este conceito, oferecemos nosso espaço e nosso trabalho para que possamos produzir transformações, as quais sejam por uma vida alegre, criativa e engajada social, política, ecológica e eticamente.

domingo, 13 de novembro de 2011

Impasse: polícia na USP.


O que gosto de chamar de impasse é todo problema que parece complexo demais para termos certeza do que estamos pensando sobre ele no momento e para que tenhamos tão rapidamente uma solução. São problemas nos quais farejamos a imensa complexidade, tomando como sintoma negativo, as polarizações binárias a que a mídia ou os modos de pensar morais os limitam.

Pois é, o problema da presença da polícia dentro da cidade universitária nos aparece como grande impasse. Há uma semana temos lido sobre o assunto nos jornais e sites de notícias, e temos acompanhado os ditos de colunistas respeitáveis e sérios como Gilberto Dimenstein e Raquel Rolnik. Mas esta questão segue deixando muitas perguntas, porque tudo o que se diz sobre ele parece pouco e apenas parte de um problema maior.

Não quero nem comentar sobre as opiniões mais precipitadas, preconceituosas, moralistas, ressentidas e medrosas que têm surgido. Vamos tentar não cair nesta baixeza, típica do senso comum.

Trago aqui algumas linhas de questionamento que, claro, não têm a menor pretensão de totalizar a problemática:

Pois então, dos inúmeros papéis que a universidade têm, talvez, um dos mais negligenciados seja a extensão - até por causa de uma atual moral da produção acadêmica a ritmos industriais -, isto é, o diálogo com a sociedade e com a realidade fora do mundo acadêmico, o oferecimento de serviços e modos de acesso ao conhecimento, que tragam usufruto de todo saber e tecnologia produzidos. Neste contexto, se a universidade não chega até o mundo lá fora, levando modos de pensar inovadores, o mundo vai entrando cada vez mais nu e cru, para dentro da universidade: a violência, a insegurança, a moral restrita e reativa que resume o problema da violência a uma necessidade de segurança, tudo isso vai invadindo a terra protegida que o mundo acadêmico tem sido. Neste sentido, o problema da presença da polícia militar dentro da USP não parece ser um problema real. A mim, parece mais que o que se coloca em xeque é o que a universidade é capaz de produzir em benefício do social e, ainda, de que modo ela de fato está acompanhando os rumos do que acontece fora de seus portais.

Ora, até que alguns estudantes fossem presos por fumar maconha estava tudo bem? Antes disso, quando a PM começou a estar presente lá dentro, quando a PM começou a circular ostensivamente pelas ruas em diversas cidades do país, quando as ruas se encheram de câmeras de vigilância, onde estávamos todos nós, que ficamos olhando tudo isso acontecer? Onde estavam os foucaultianos, estudiosos do panóptico e do biopoder, que não trouxeram nenhuma intervenção prática à vigilância?

Fico encabulado, um pouco envergonhado, de ver que as coisas passam a ser problematizadas quando quem faz as perguntas é a mídia. Daí tudo parece mesmo ser uma questão de poder fumar maconha, ou não, de isso estar, ou não, ligado a um livre pensar, de isso estar, ou não, ligado a uma liberdade dos corpos, de estar, ou não, havendo problemas de violência dentro dos câmpus. A problematização já começa amortecida por uma série de desvios, que especialmente criminalizam ou julgam aqueles que resistem em aceitar algumas decisões reacionárias. No fim, fica tudo girando em torno de sim ou de não, de julgar os estudantes que invadiram a reitoria como revolucionários retrógrados, drogados birrentos, filhinhos de papai pseudo-militantes... O próprio início da questão já vem poluído de uma série de preconceitos e clichês.

E aí, a democracia é chamada por todos os lados. Só que sempre se chama um conceito de democracia superficial, que é veiculado pela mídia e pela moral burguesa. Quer dizer, por exemplo, seria mais democrático manter a PM dentro da USP, uma vez que, segundo o site da Folha de São Paulo, 58% dos estudantes apóia a presença da polícia? Desses 58% a grande maioria que apóia são dos estudantes dos cursos de exatas e biológicas, nos quais mais de 70% são a favor de conviver com a PM. Só que estes são os cursos que tradicionalmente secretam os pensares e posicionamentos mais reacionários e baseados numa moral do senso comum! Foi dito nos jornais que o reitor não é democrático... mas, que reitor teria uma universidade em que mais de 70% dos estudantes não é capaz de problematizar sua própria segurança sem desejar a presença de um braço estatal truculento e ambíguo como a polícia? Não haveria mais democrático reitor, para uma classe estudantil como esta.

Raquel Rolnik fala muito acertadamente de como a arquitetura da cidade universitária, projetada nos tempos da ditadura favorece a existência de violência - inclusive da polícia
- porque há enormes espaços vazios, desabrigados, em que apenas o cimento toma lugar. O problema da segurança deveria levar em conta um fator como esse. Concordamos absolutamente com ela, se consideramos que o problema seja realmente segurança.

Mas... e se o problema central não for a violência e a segurança? Ou ainda, de que modo, a própria presença da polícia no câmpus é já a primeira violência, ou a violência por excelência? Quer dizer, a presença da polícia seria apenas mais uma violência, mas mesmo a violência não seria antes um sintoma do que a causa? É claro que sou contra a PM dentro da universidade, assim como sou contra a violência que os estudantes têm sofrido. A polícia nunca foi e jamais será pacífica e promotora de segurança, ela jamais será uma força de vida! Mas ser contra ou a favor não me parece ser a questão.

Digo, de que modo o problema da violência dentro do câmpus é apenas sintoma de algo mais amplo e complexo? Antes de pensarmos se somos a favor ou contra a PM, talvez pudéssemos pensar como é que aparece a polícia como possibilidade de solução de um problema vivido pelos alunos e como este problema vivido é sintetizado como sendo questão de segurança.

Pressinto que, se desnaturalizamos o modo como as perguntas estão sendo feitas, começamos a adentrar de fato a complexidade dos eventos e daí podemos fazer perguntas mais precisas, livres dos ruídos midiáticos e morais. Será, no fim, que tudo isso, da maneira como está sendo discutido, não é um modo de desmobilizar uma discussão, ao invés de promovê-la? Não estou falando, como comumente se faz, que estão querendo desviar nosso olhar, para não vermos problemas mais duros. A ilusão não é óptica, mas antes auditiva! Antes que se possa discutir, já há uma imensa e sonora tagarelice nos ensurdecendo.

Não quero trazer nenhuma opinião feita, mas me questionar um pouco mais. Não quero também parar no impasse e confortar-me neste lugar de fazedor de questões. Mas, gostaria muito de poder escutar as pessoas a quem mais interessa resolver esse impasse: os próprios estudantes. Por que ninguém promove ou permite condições para que eles falem, afinal?

Uma discussão séria e consistente ainda não começou! Sigo confuso e aturdido. Não tenho nenhuma solução, mas meus ouvidos estou tentando limpar!