Devir é um conceito da Filosofia e denomina transformação intensa da vida, a partir dos encontros que construímos. Inspirados por este conceito, oferecemos nosso espaço e nosso trabalho para que possamos produzir transformações, as quais sejam por uma vida alegre, criativa e engajada social, política, ecológica e eticamente.

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Politização e universidade pública

Esta semana tivemos uma paralisação na UFTM (Universidade Federal do Triângulo Mineiro). Foi uma paralisação convocada pelos docentes,como disse o prof. Gustavo Alvarenga, num movimento rizomático. Da Psicologia estivemos ele e eu numa reunião com poucos docentes, pensando num abaixo assinado para chamar esta paralisação. Contudo, gostaria de ressaltar que temos uma luta que preza não só por salários "justos" (que na verdade é reajuste), mas, especialmente pela qualidade do ensino superior público e da Educação. Lutamos pela contratação de professores, pela melhoria do espaço físico, por um plano de carreira para nós etc. Especialmente, lutamos pela politização de nosso corpo docente e discente. É que há professores, na Psicologia, por exemplo, dando cerca de 24 horas/aula semanais, sendo que alguns chegam a dar 12h de aula num só dia. Temos muita falta de salas, laboratórios, livros na biblioteca; ainda não há moradia estudantil, nem restaurante universitário, o que faz com que apenas estudantes com condições financeiras melhores possam entrar e seguir no curso. Bem, o que gostaria,neste tópico desta semana, é de esclarecer, afinal, o que tenho chamado de politizar a formação dos alunos, principalmente porque meus alunos já sabem do que se trata, mas muitos professores ainda pensam, embora já sejam senhores(as) experientes, que política é coisa para revoltadinhos baderneiros, barbudos militantes vestidos de vermelho, ou engravatados corruptos do congresso nacional. Quero, portanto, justificar e esclarecer minhas constantes chamadas, muito antes de haver esta paralisação, para que os problemas que vivemos na UFTM não sejam despolitizados. 1)Em primeiro lugar, considero que seja política uma educação que possibilite que os alunos se tornem capazes de problematizar e até estranhar a realidade que vivem, não mais tomando-a como realidade dada, pronta para apenas ser aceita. Fazer da realidade algo de não natural é um primeiro aspecto da educação política. 2)Em segundo lugar, também chamo de política ação ou pensamento que compreende que os problemas que vivemos são imediatamente e sempre coletivos e não privados. Quer dizer, muitos dos nossos cursos estão sofrendo com problemas semelhantes, sejam os cursos pertencentes, ou não, ao REUNI (programa do governo federal de expansão das universidades públicas)Então, se pensamos em resolver os problemas coletivamente, discutindo com diversos grupos e setores da nossa universidade, todos ganham com as conquistas das lutas. Mas, se deixamos que cada curso ou departamento reivindique sozinho a resolução de seus problemas, começa a haver competitividade, disputa e brigas internas: justamente o que quer o Estado, nos transformar em urubus que brigam pela miserável carniça que ele nos lança. Quando sair uma vaga para professor, vários cursos vão querer e disputar, sendo que poderiam ter brigado todos para que todos tenham vagas. Os problemas ficam privatizados, como se fossem individuais de cada curso. Daí, os próprios professores começam a se agredir, pois, como já ocorreu contra mim, começam a culpabilizar individualmente os colegas e querer que todos assumam cargas horárias absurdas, contraproducentes: começam a desforrar seu ressentimento típico de operário submisso para cima daqueles que se importam mais em preservar uma vida sã, que não se limite ao trabalho, ou que preferem gostar de estar trabalhando. 3)Além disso, considero que politizar é assumir cruamente a democracia: não há democracia real, de fato (e não só de direito) sem tensão, sem conflito, embate de forças, diferenças de pensamento e condutas. Quero dizer que toda vez que os problemas são reduzidos a questões administrativas internas, ou a obscuras e eticamente duvidosas trocas de favor, se está despolitizando as relações, abafando as tensões e construindo uma base bastante sólida para a corrupção. Toda vez que os gestores despolitizam os problemas já estão corrompendo as relações e transformando tudo numa perigosa e perversa administração dos conflitos.Por isso, política também não é diplomacia, é preciso diferenciar. Acho que é Foucault quem diz que a política é guerra continuada por outros meios. Se um movimento não for capaz de um mínimo de nível de agressividade para se colocar frente aos poderes e valores
dominantes, não há como mudar nada, diz Deleuze. 4)Por isso, também considero que politizar seja compreender a abrangência e complexidade dos problemas. Ora, a falta de professores não é o grande problema. Este é apenas um ponto, um tópico, ou melhor, um sintoma do problema real. A questão mais essencial, está no fato de que não há o menor interesse em se investir na Educação e em se oferecer uma Educação capaz de formar cidadãos. Assim, louvo o fato de nosso diretor de instituto (a Psicologia faz parte do IELACHS, Instituto de Educação, Letras, Artes, Ciências Humanas e Sociais)chamar a atenção para o fato de que estamos lutando não apenas por políticas salariais, mas por qualidade na Educação pública, o que envolve uma série de elementos, dos quais os salários são apenas um. Neste sentido, mesmo uma luta coletiva e democrática pode ser completamente despolitizada quando fica reduzida aos sintomas dos problemas e se satisfaz apenas com a contemplação de um de seus itens de pauta. Como nosso diretor disse, queremos que 10% do PIB seja investido em Educação! Não é só dinheiro, mas uma questão ética e paradigmática envolvida. 5)Outro aspecto que chamo de político, junto com Foucault, é o envolvimento da história. Como diz Foucault, se uma luta não considera a história, seja para segui-la, seja para com ela romper, aí não há política. Uberaba é uma cidade de dois tipos de cornéis: os coronéis de chifre e corcova (fazendeiros de boi Zebu), e os coronéis de jaleco e estetoscópio. Historicamente, há uma concentração de poder e dinheiro na mão dessas duas classes. Nosso reitor é médico, assim como o presidente da (corrupta e inativa) associação de docentes, por quem, é bom destacarmos, não nos sentimos representados. Ora, se não consideramos este fluxo histórico, tampouco estaremos atentos ao que no presente estamos fazendo. Neste caso, é preciso romper com a história. Sem incluir a história na discussão, não há política. Assim, é política a ação que recoloca o movimento na história, tornando-a um fluxo de devires e não uma tábua de mandamentos. 6)E falando em poder, considero que seja este também um dos aspectos da ação política: estabelecer os regimes ou distribuições de poderes entre os corpos, isto é, criar uma malha de poderes, a qual seja, o máximo possível, capaz de elevar a capacidade dos corpos de agir, pensar, alegrar-se, combater, problematizar e sentir. Quanto mais compreensiva esta malha de poder, ou seja, quanto mais poderes nele puderem atuar efetivamente, mais política será a ação. Neste sentido, falo de uma democracia da diferença, não de uma democracia da igualdade, em que reina apenas um poder de fato sobre milhões de pseudo-poderes, ou poderes apenas de direito. 7)Deste modo, é ainda política a ação ou educação, que coloca em discussão o uso e o destino do espaço público. Em outros termos, só é política uma intervenção que amplie o espaço público, permitindo que ele cresça e seja mais habitado, seja mais agido pela população, seja mais apropriado, chegando a poder se sobrepor sobre o espaço privado. O problema, diz Hannah Arendt, é que modernamente a política se transformou numa gigantesca administração privada, tendo havido uma minimização feroz do espaço público. Ora, é o espaço público que dá sentido a uma ação, na medida em que ela interessa a cada um e a todos ao mesmo tempo, isto é, que ela determina as vidas e possibilidades de ação de cada um e de todos simultaneamente. Tão logo, cabe lembar, que não apenas nas instâncias instituídas para fazer política (partidos, sindicatos, câmaras etc.) que se faz política necessariamente. Estes são mais um espaço possível, mas não o único, nem o principal. Política real é movimento, movimentação, não instância ou instituição. 8)Além disso, o que faz de uma ação algo de político, é seu compromisso ético: ela precisa ser transparente, honesta, passível de ser exposta a público. Se houver obscuridade, se houver ganhos particulares baseados em regras que só são obedecidas em função de interesses pessoais ou de alguns poucos, aí já há corrupção, já há despolitização, já há uma primeira forma de roubo do poder dos corpos, roubo daquilo que podem. Não estou dizendo que são as leis que precisam prevalecer. Pelo contrário, estou dizendo que é política uma ação que justamente não precisa de leis para ser ética e promotora de cidadania, liberdade, potência aos corpos. Até porque, os legalistas (ou moralistas) são os primeiros a distorcerem as leis conforme vantagens que tenham ou não. 9)Por fim, é preciso saber que tudo é política, mesmo quando a ação é privativista, individualista, moralista, etc. Tudo é política, porque está produzindo uma realidade social, está determinando os níveis de poder dos corpos, está aumentando ou diminuindo a capacidade de ação e alegria dos corpos, dizemos com Spinoza. Espero que, com este breve ensaio eu tenha podido esclarecer o que chamo de política e por que chamo tanto a atenção para isso em minhas aulas. Sei que os alunos para quem dou aula compreendem bem que isso tudo tem muitíssimo a ver com subjetividade, desejo e com a formação profissional deles. Talvez, meu maior orgulho esteja no fato de que muitos deles começaram a participar de C.A., de reuniões de colegiado, de discussões relativas à esta paralisação. Alguns professores têm até reclamado furiosos que os alunos estão indo falar de democracia e liberdade com eles! Só me pergunto se professores assim estão de fato preparados para trabalhar na educação em universidades públicas... Bom, mas quanto a estes, deixem que eles também ganhem com nossas lutas, porque um outro aspecto da ação política é que, no final, quando há vitória, ela sempre traz conquistas para todos indiscriminadamente, inclusive para os pelegos, covardes e rancorosos que detestam falar disso. A politização é uma forma de nos tornarmos mais generosos também.