Devir é um conceito da Filosofia e denomina transformação intensa da vida, a partir dos encontros que construímos. Inspirados por este conceito, oferecemos nosso espaço e nosso trabalho para que possamos produzir transformações, as quais sejam por uma vida alegre, criativa e engajada social, política, ecológica e eticamente.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Internet e seus Rastros de Liberdade - Beberás dessa S.O.P.A, soltarás essa P.I.P.A?

A internet é uma mídia, um meio, uma perturbadora confluência de sínteses disjuntivas/conjuntivas. Uma composição maquínica.

O leitor deste post efetua uma montagem (talvez involuntária, mas sempre desejante): olhos-monitor-mãos-teclado-mouse-cérebro-modem.
Há fluxo, há cortes, há tudo que uma máquina necessita para produzir. A internet é agenciamento do desejo e potencialmente revolucionário como tal - mas não por si só.
Provamos! Se está nos lendo, significa que a internet já funcionou enquanto linha de fuga! Pergunto: Há cerca de 10 anos atrás, onde este Coletivo poderia expor e discutir as idéias, problematizações e opiniões? A internet amplifica o raio de influência desse Desejo (aqui já cabe a acepção Lacanista do conceito, por isso, também referente ao desejo no gozofálico do consumo-capitalístico.)

Nicolaci-da-costa teve a feliz audácia de tecer a consideração na qual a internet passaria a ser mais que um mero um instrumento, se tornando uma plataforma de vida, o que significa que a internet não seria só utilizada por sujeitos, mas produziria sujeitos, formas de pensar e agir no mundo. Extrapolando a idéia da autora, seriamos então um homo-internauticus?
Mas quais aspectos fazem da internet (e das tecnologias de informação e comunicação) fenômenos tão singulares? O que faz da rede um divisor de águas de nossa era, promovendo inclusive uma crise na concepção clássica de “era” - enquanto longo período de tempo? Talvez seja exatamente a sua “subterraneidade”, o seu modo paralelo de funcionar, sua maneira alternativa de produzir a realidade.

A internet é uma rede, mais que uma rede, é uma teia, tal qual da aranha, fina, resistente, pegajosa, elusiva e capaz de disseminar-se. É conjuntiva, pois tudo que nela ocorre, só ocorre no entre, no encontro de indivíduos com outros e no encontro de indivíduos com um estado de coisas. Por isso a internet produz as suas próprias regras, vez ou outra escapa a mão do Estado e as suas legislações, vez ou outra se deixa capturar e nomear seus acontecimentos (a prioristicamente amorais) como sendo crimes, ou se torna uma aliada do hiperconsumo. Não é um espaço exclusivo de liberdade, mas é sim um espaço liso onde a liberdade-desejo pode escoar.

Hakim Bey (pseudônimo de Peter Lamborn Wilson) cunhou o conceito de TAZ – Temporary Autonomous Zone (ou Zona Autônoma Temporária) que se refere a um espaço que é único na história humana e logicamente, temporário. Esse espaço (ou zona) funciona, por alguns instantes como algo absolutamente alheio ao regime estatal e se sustenta principalmente na sua invisibilidade. O autor chega a falar que essa zona é uma revolução que falhou, pois é um movimento que eleva a consciência dos seus participantes, dando novos significados para suas existências, no entanto não se concretiza ao ponto de fomentar um novo estado rígido. Talvez a internet possa ser considerada um espaço que por um tempo foi e tem sido autônomo. A internet não é invisível, muito pelo contrário: Os corpos de seus usuários não deixam de existir, estão ali compondo essa máquina, mas são ocultados por essa interface, se mantendo escondidos por de trás do monitor. Seus corpos se mantêm vivos, o que entra em crise são as identidades. Na internet ninguém “é”, por mais que digam ser, são apenas corpos amorfos, sem lugar, invisíveis, porém essencialmente existentes e operacionais. Eis uma zona autônoma temporária.

Este post não é um protesto, pois o protesto pressupõe uma indignação que por sua vez supõe uma surpresa, que só é possível em um estado de conforto e ingenuidade, além de uma mendicância paternalista. Pretendemos algo mais assustador que um protesto, mas uma afirmação do que já sabíamos, já esperávamos e já estávamos preparados. Enfim a internet está se estriando! Qual o próximo passo? Para onde deslocaremos nossos corpos-tropas agora? Como contra-atacaremos? Essas são as questões pertinentes para o momento.

Os projetos de lei S.O.P.A, P.I.P.A e A.C.T.A são tentativas de modulações estatais desse espaço virtual, com a desculpa (precisaria mesmo de desculpas?) de ser uma forma de reorganizar e regulamentar o consumo de conteúdos com direitos de propriedade intelectual que vinham sendo adquiridos de modo ilegal na internet (leia-se pirataria).

Em suma, é uma tentativa de retomar a lucratividade da indústria cultural de outrora, utilizando como argumento que para proteger direitos autorais (de autores, artistas, produtores e etc.) é necessário que ocorra uma privatização regulamentada - há na verdade uma mascarada privatização da Cultura Humana que sucede a transformação dessa cultura em produto para consumo. Ora, é quase o mesmo que dizer é necessário privatizar o ar, o nosso DNA, ou a lua, para que sejam protegidos. Proteção contra quem??? Quem é a real ameaça para essas corporações? Aqueles que não têm condição de adquirir o acesso ao royalty? Talvez sejamos nós os consumidores falhos da vez! (recorrendo ao velho Bauman do mal estar da pós-modernidade).

Poderíamos até admitir que os autores, artistas e produtores merecem o reconhecimento pelas suas obras. Mas os grandes beneficiados com a privatização intelecto-cultural não são tais pessoas, mas sim as grandes empresas de entretenimento, seus donos. Pura e simplesmente mais-valia! Que agora não se restringe apenas a expropriação do extra-tempo de trabalho para a produção de valores. É a própria subjetividade desses artistas que entra na moenda de exploração. O que piora drasticamente o quadro, afinal como mensurar quanto desses artistas foi tomado? Artistas (pelo menos aqueles que de fato podem ser considerados assim) que defendem as produtoras são o mesmo que escravos implorando por grilhões. A crônica da servidão voluntária e a morte a potência criativa.

No entanto, o que é mais problemático na aplicação dessas leis, é a maneira como executarão seus pressupostos e as premissas que se abrirão a partir delas. Em linhas gerais, o SOPA propõe que o individuo que compartilhar conteúdo pirata (?), mesmo em pequenas quantidades, na internet deve ser duramente punido inclusive com prisão. Essa pena não seria restrita ao individuo, mas o site que hospedar esse conteúdo (por exemplo, uma música, uma foto, um filme ou trecho) sem dar as devidas referências, às vezes financeiras, a esses direitos, poderá ser derrubado sem julgamento, caso o autor se sinta lesado. Ou seja, tudo aquilo que faz a internet manter seu caráter conectivo e libertário, será sedimentado em um “direito à propriedade” que se estabelecerá enquanto muralhas ao longo do processo, canalizando o fluxo e o mono-vetorizando, anti-produzindo! Bricolagens? Não mais, Anarco-Piratas. Compartilhar de forma fraternal algo que você adquiriu? Cyber-Bolchevismo é terminantemente proibido! Seja bem vinda nova censura, suas irmãs já te aguardam!

Para não nos estendermos muito no post, queremos finalizar ressaltando que o desejo é revolucionário, conforme afirma Deleuzeguatarri. A capacidade criativa dos seres humanos lhes proporcionam a possibilidade de encontrar meios de escapar desse controle, vigilância e censura. As linhas de fuga costuram uma rede (ou uma teia!) de possibilidades para alcançar uma real autonomia e emancipação para além dos discursos que atravessam as tecnologias digitais e os supostos direitos de propriedade autoral e editorial. São possibilidades de lidar com o controle constante e irrestrito sem ser percebido, é a capacidade de subverter os dispositivos discursivos usando o próprio discurso. Tal capacidade é individualizada e subjetiva, pois tem origem na conscientização do papel e da existência de dispositivos de controle e censores, na construção de um conhecimento sobre os mecanismos de sujeição contemporâneos e no desejo de emancipação, mas é acima uma produção coletiva enquanto maneira de multiplicar as potências e criar singularidades. Se não nos prendermos somente nas suas qualificações legais e morais, constataremos que métodos cada vez mais sofisticados de burlar todo mecanismo de funcionamento e controle da rede vêm se mostrando eficientes. Seja com o objetivo de compartilhar informações, conteúdos ou serviços que deveriam (ou não?) ser pagos, seja para defender uma idéia ou fazer uma crítica, mas também para combinar uma ida às ruas, extrapolando a tentativa mudança para além do sofá, tirando a poeira do corpo há muito docilizado e marchar. Devir pirata, devir guerreiro.

Com certeza, vários blogueiros-amigos como nós, prezam muito pelo caráter libertário da Internet. Porém, mesmo que percamos a transversalidade da rede, não nos emudeceremos e nem ficaremos mais infelizes, a zona autônoma é necessária e estrategicamente temporária e está fadada a desaparecer e reaparecer em outro lugar sobre uma nova faceta. Além disso, não podemos deixar de alertar que essa indústria de entretenimento que tende a se elitizar, também funciona como uma indústria de distração, sendo também um instrumento que implementa a alienação.

Então, logo logo perguntaremos, sentados em um espaço tão ou mais liso quanto a web, para que precisamos da internet mesmo?

Escrito por PEDRO HENRIQUE L. COSTA