Para finalizar esta "trilogia" problematizadora da greve deixo ainda algumas considerações.
Em primeiro lugar, considero importante termos em conta que adotar um pensamento e posicionamento questionador em relação à greve não deve servir como anteparo ou pretexto para não lutar, para esquivar-se ao embate em espaço público, à luta e atuação política.
Nada justifica despolitizar-se. O problema, contudo é: em muitos casos (e não é o caso de nossa greve), as ações políticas são muito pouco políticas porque não transformam a distribuição de poder, não ampliam a autonomia e tampouco produzem potencializações aos corpos e vidas.
Por isso, uma greve deve ser capaz de ser mais do que a mobilização sindical e deve poder compreender mais práticas do que os protestos, as vigílias, as assembléias, plenárias etc. É muito necessário que lutar numa greve se difira de um posicionamento reativo, acusador do Estado. A luta será reativa se, mesmo tendo uma proposta concreta, mantiver a lógica dominante, sem deslocar os poderes e aumentar a nossa potência (entendendo que potência significa, com Deleuze e Spinoza, aumentar a quantidade de realidade de que se é capaz de se apropriar, aumentar a capacidade de agir e sentir).
Quando falo de mais práticas e de ser mais do que sindicalismo falo da possibilidade de uma greve ser capaz de, enquanto CsO (corpo-sem-órgãos), mobilizar, organizar e compor fluxos de força desejosos por viver coisas que justamente só podem ser vividas num momento de parada abrupta, num enguiçamento. Esboçaram-se algumas intervenções artísticas e culturais, mas a cultura e modelo de luta sindical e partidária ainda prevaleceram. A lógica da reatividade prevaleceu nesta nossa greve. Vislumbrei que a greve poderia ter se constituído como espaço para se viver inúmeras coisas criativas, potentes, que saíssem do mero objetivo de protestar. Quantas oficinas artísticas e expressivas foi impossível fazer? Todas elas seriam formas de luta política, ainda que não estivessem diretamente falando de greve ou acusando o governo. Não poderíamos ter vivido, ainda que temporariamente, uma espécie de universidade popular aberta? Ao invés de ficarmos numa lógica dos pedidos, não poderíamos ter sido mais ágeis e mais multiplicitários em nossas intervenções? Por exemplo, pensei em fazer oficinas para produzir performances, máscaras e instalações. Mas o centralismo de alguns do comando de greve docente e o espírito pedinte, reclamão prevaleceram: os alunos se cansaram e esvaziaram o movimento. Essas coisas não seriam também políticas??!!
Enfim, o que critico ferozmente aqui é este ressentimento, este peso e, diria Nietzsche, incapacidade de dançar, que o movimento vai solidificando. Esta gravidade lenta e fedida de mofo, que sempre domina os movimentos políticos e só se legitimam sobre leis, iniciativas e entidades instituídas, contaminando e envenenando as coletivizações, as circulações de novos afetos, novos contatos, novas relações que aparecem quando de uma parada. Conheci tantos alunos, pude ter contato com tantos colegas professores, mas as relações novas não puderam ganhar consistência. Neste sentido é que também a greve será derrotada. Ela tem se mostrado incapaz de ser política nos seus termos mais amplos, restringindo-se a ser política em apenas enquanto confronto dialético entre poderosos e ausentados de poder, entre instâncias estatais dominantes e dominadas. Não houve potência, alegria. Não ouve arte! Venceu a amargura e desejo de controle dos que, mesmo sendo esquerda militante, ainda são demasiado conservadores. Sempre as mesmas estéticas, as mesmas idéias sem graça e sem força: um caixão com um funeral, um monte de nariz de palhaço, os mesmos gritos de sempre, as mesmas faixas...
Quero dizer é que é possível que a vitória não seja apenas sobre problemas administrativos e objetivos. Pode haver um ganho afetivo (NÃO falo de subjetivismo e sentimentalismo) muito mais complexo e amplo. É só permitir que a luta possa ter tantas forças e modos quanto as pessoas desejam. Pode-se inclusive dizer que isso tudo cheira a anarquismo. Não tem problema. Porque não sou anarquista; pelo menos, não nos termos de uma possível acusação. Não sou niilista a ponto de dizer que não vale a pena tudo o que está sendo feito pelos companheiros de trabalho do comando de greve.
Deixo a certeza de que aprendi muito com esta greve, principalmente com os companheiros que, já experientes na militância, sabem bem os procedimentos a serem pensados e seguidos. É um aprendizado de como gira, na prática, a história. Uma aprendizado das forças de organização de um movimento sério. As plenárias com as pró-reitorias, com o reitor, as intervenções em Brasília, tudo realizado de maneira muito organizada e coletiva. Todos passos importantíssimos para a construção da UFTM enquanto universidade pública e, como bem lembrou o professor Gustavo Alvarenga, trarão benefícios por muitas gerações. Como eu disse já, isto tudo que aponto aqui não exclui em nenhum momento as ações da greve atual.
Mas precisamos mais do que nunca de um rompimento histórico, uma intervenção intensiva. Da história contada estamos empanturrados. O que aponto aqui é que há um mal-estar, uma náusea de fundo, que mesmo tudo o que está sendo feito não é capaz de aliviar. Estamos cada dia mais encurralados por um poder sistemático e obsessivo, cuja força está em jogar com todas os passos já previstos. Precisamos de um transbordamento estético, ético e político, um passo que não esteja na ordem do dia...
Desejo uma greve intensiva, capaz de inventar vida e história. Está chato demais fazer greve com modelo pronto. É preciso um perfume novo, cheiro de mofo é para pão velho. É preciso um pouco de vinho!!
Que Dionísio faça sua greve!
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