Aliás, é uma revolução que não deixa de ser política; porém, faria política de um modo radicalmente novo e distinto. Seria uma revolução, sim, absolutamente política, mas justamente no sentido de política enquanto problematização e produção de modos de relação e encontro, nos quais se module a potência dos corpos e o seu poder de agir em direção ao mais nobre, ao mais elevado, ao mais potente.
Essa revolução de que estou falando é a revolução em nossos modos de amar: certamente a mais grave das revoluções.
pétalas amam outro vermelho e se engalfinham para mergulhar (fotos e montagem: coletivo dEVIR) |
O fato é que, apesar de tantas revoluções tecnológicas, científicas, artísticas e políticas, ainda vivemos uma profunda miséria nos modos de amar. Ora, revolucionar os nossos modos de amar seria também uma revolução artística. Em muitas de minhas aulas, gosto de citar Foucault (no livro Ditos e Escritos vol.V), quando diz que os gregos antigos tinham produzido uma tal variedade de modos de relação de homens com homens, que é muito difícil conseguirmos compreendê-las a partir da restrição e pobreza de nossos modos de encontro: não se entende se dois homens eram amantes, ou amantes e mestre-discípulo, ou amigos...
Revolucionar o amor seria e é uma prática profundamente artística; é preciso ser infinitamente artista para fazer uma revolução em nossos modos de amar. E aí, também vem as perguntas: que ética e que força vital nasceria daí? Que nobrezas surgiriam daí? E vejam que falo de amor, não de bundalele, suruba, relação aberta, suingue, beijar várias pessoas numa micareta: tudo isso é de uma caretice nauseante e que dá uma preguiça... clichês!
Oh! Pós-modernos, descolados, libertários, seriam capazes disso??
Ainda não fizemos esta revolução e tantos tentaram e têm tentado. Muitas das religiões, especialmente o cristianismo, querem se fazer passar por agentes dessa revolução, quando só fazem o amor recair, de maneira muito subliminar e astuta, sobre formas de encontro cada vez mais caricatas, ossificadas e monstruosas.
Para corroborar comigo coloco aqui um trecho de entrevista com Deleuze, que acolheu muito isso de que falo, mas que já sentia e pensava muito antes de encontrar este texto:
"Em primeiro lugar, há relações de amizade ou de amor que não esperam a revolução, que não a prefiguram, embora sejam revolucionárias a seu modo: elas têm em si uma força de contestação que é própria da vida poética (...) Neste caso, há mais budismo zen do que marxismo, mas há muitas coisas eficazes e explosivas no zen." (DELEUZE, 2006: p.187 - livro A Ilha Deserta; texto chamado "Gilles Deleuze fala da Filosofia")
Também indico o filme Os sonhadores, para quem tenha se sensibilizado com isso que digo.
E, para seguir provocando e incitando que ousemos em produzir novos modos de relação amorosa, deixo também um vídeo que fala disso e certamente vai arrepiar a muitos, seja com horror moral, seja com alegria poética. Creio que o vídeo dará continuidade a meus argumentos. Mas é claro que ele só mostra mais uma possibilidade, não se pode dizer, evidentemente, que se trata da grande solução; há muitas revoluções amorosas possíveis e outras ainda virtuais, insuspeitas.
O amor exige seus devires!
http://catracalivre.com.br/geral/cidadania/indicacao/documentario-mostra-dia-a-dia-de-adeptos-do-poliamor/